Como lidar com a carência?

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Carência | Reconhecer para liberar

Na cosmologia tibetana, a carência é representada por seres que possuem a boca menor do que o buraco de uma agulha. Mesmo se bebessem toda água dos grandes oceanos, ao passar por sua garganta que é tão estreita quanto o pêlo de um cavalo, o calor do hálito deles evaporaria. Mesmo se eles, de alguma forma, conseguissem engolir um pouco, seu estômago, que é do tamanho de um país inteiro, nunca ficaria cheio. 

Os fantasmas famintos padecem de imensa fome, sede e exposição aos elementos.  Há um aprisionamento baseado na procura ardente e constante por algo para se saciar. Cobiça e apego extremos são as causas para o nascimento no reino dos fantasmas famintos. 

A mentalidade carente está preocupada com o processo de se expandir, enriquecer, consumir. Sente-se fundamentalmente pobre. Não consegue corresponder à presunção de ser o que gostaria de ser. Tudo o que se tem é usado como prova de validade da própria existência nesse âmbito, mas nunca é o bastante, há sempre uma sensação de insuficiência.  A mentalidade carente está intimamente ligada à pobreza, no sentido de que há sempre uma fome constante por algo: amizades, riquezas, roupas, sexo, poder, bebidas ou que for. 

Dentro dessa mentalidade, vemos tudo o que aparece na vida como algo para consumir. Quando compramos uma garrafa de coca-cola ficamos animados ao ouvir o ruído da sacola ao desembrulhá-la. O som da coca-cola sendo derramada da garrafa nos dá uma deliciosa sensação de sede. Em seguida, após o consumo, o sonho se transformou em realidade. Depois de um tempo ficamos novamente inquietos e procuramos mais alguma coisa para consumir. 

Sempre insatisfeito(a)

Há uma busca constante por diversão, no sentido de tentar preencher um “cheio/vazio” interno. Aparentemente, quanto maior o número de obstáculos, mais fome interior sentimos. E, quanto mais queremos, mais percebemos o que não se é capaz de obter, o que torna o processo doloroso.

É doloroso ficar suspenso em desejos insatisfeitos, estar continuamente buscando satisfação. Mas mesmo quando conseguimos alcançar a tal “meta”, existe a frustração do excesso, de ficar tão empanturrado que nos tornamos insensíveis aos estímulos. Em seguida, desejamos voltar a sentir fome para poder empanturrar-se novamente. Em ambos os casos – satisfazendo um desejo ou ficando com desejos pendentes e continuando a lutar para saciar a fome – estamos abrindo um caminho para frustração.

Imagem de Anemone123 por Pixabay

Autor
Coordenador
Praticante budista e instrutor de meditação. Desde 2011 dedica seu tempo à descoberta do coração desperto (bodicita), a partir dos ensinamentos de Buda e nas instruções práticas de Lama Padma Samten. Casado, pai de 2 filhos, é coordenador da Roda do Darma e tutor no CEBB.

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