Como começar a meditar?
Antes de falar a respeito, você já comeu açúcar? Acredito que sim.
Qual o tipo? (cristal, demerara, orgânico, de coco?) E o sabor? Eu não estou perguntando se ele é mais ou menos doce, estou pedindo para descrevermos o sabor do açúcar. Você já tentou observar isso?
E se eu te pedir para descrever o processo de digestão do açúcar? Você saberia descrever esse caminho em detalhes?
A essa altura, você deve estar se perguntando: o que isso tem a ver com começar a meditar?
Bom, por uma questão de confusão e engano, nós começamos a meditar e tentamos categorizar a meditação em algo que nos seja familiar.
Por exemplo:
- Um tipo de analgésico, para nos promover paz quando as coisas saem do nosso controle;
- “Relaxar é apenas inspirar e expirar”;
- Imaginar que está em uma praia observando as ondas do mar e os pensamentos são como a mente conceitual e a mente liberta;
- Usar frases adocicadas “solte” ou “deixe ir”;
- Deixar de pensar;
- Meditar é colocar um som de fundo e deixar os problemas se resolverem…
- Meditar é esvaziar a mente;
- Achar que precisamos fazer algo de extraordinário na meditação;
Na visão da tradição dos ensinamentos, a meditação tem algo a mais para dizer sobre nós mesmos e o funcionamento da mente.
O que significa meditar?
- Uma maneira sistemática de entendermos o caminho da meditação é falarmos de visão, meditação e ação.
- Mesmo que seja algo incomum falarmos desses três aspectos nas nossas mensagens de Whatsapp ou no nosso café da manhã, em família, é crucial entendermos como esses três pontos se conectam naquilo que chamamos de meditação.
- Então, para facilitar, nós vamos associar um verbo a cada item descrito. Visão seria compreender, Meditação é contemplar e Ação é agir de acordo com os dois itens anteriores.
- Gosto de explicar Visão, meditação e ação como vértices de um triângulo equilátero.
- Então, por exemplo, vamos supor que você está precisando comprar um aspirador de pó. Como seria usarmos Visão, meditação e ação aqui?
- Visão – é olhar com curiosidade e precisão o que nós compreendemos sobre o aspirador de pó: como usá-lo, suas limitações, para que serve e assim por diante;
- Meditação – É contemplar com exemplos o uso do aspirador de pó. Não é ficar falando ou teorizando… é buscar exemplos vivos no cotidiano.
- Ação – é se apropriar do aspirador de pó e começar a usá-lo em nossas vidas. Agir nas situações.
- Bom, isso não é algo que pertence ao budismo ou você precisa ser budista para entender isso, é mais uma questão de bom senso.
Então, como começar a meditar no dia-a-dia?
No contexto que estamos falando, no início, a meditação é uma ferramenta que nos permite deixar a mente mais dócil. Uma vez que a mente se torne a nossa aliada, nós então podemos compreender melhor a sua natureza e essência. A compaixão também se torna algo sem esforço. O nosso objetivo não é deixar de pensar (isso é aversão) ou fazer as coisas, é revelar, tornar claro, iluminar a essência da mente.
Então, quando falamos de meditação, falamos de visão e de remoção de obstáculos em nossa ação. Entende?
É muito inspirador como que os grandes mestres como Shantideva e S.S. Dilgo Khyentse Rinpoche, por exemplo, abordam a meditação. Shantideva foi um famoso mestre budista indiano que compôs o clássico texto budista O Guia do Estilo de Vida do Bodisatva. É reverenciado e estudado por todas as escolas do budismo tibetano.
Já Dilgo Khyentse Rinpoche foi um dos maiores professores do budismo tibetano do século 20, sendo mestre da maioria dos lamas mais importantes da atualidade, incluindo S.S. Dalai Lama. Foi também o representante contemporâneo do movimento não-sectário Rimê, preservando e propagando o budismo como poucos.
Ao invés desses mestres falarem de concentração como um estado de foco da mente onde tudo ficará em paz e vai se resolver… Eles comentam que essa mente concentrada servirá de base para a sabedoria (Prajna) florescer. Afinal, não tenho como olhar com profundidade para as experiências internas se minha mente está inquieta e birrenta.
Por exemplo, com a meditação, podemos chegar à nossa experiência prática, que a mente tem primazia entre o corpo e a fala. Uma vez que uma emoção negativa se instala em nossa mente, usamos da nossa fala e corpo para produzir sofrimento para nós e para os outros à nossa volta.
A questão principal é como discernir com clareza e precisão o que é a mente confusa, sua natureza e também o reconhecimento da sabedoria inerente, a mente ampla que temos a mente que tem discernimento sobre a realidade das coisas.
Nos bastidores da mente
Imagine que você tem uma gangorra à sua frente. Então, no lado esquerdo, na ponta da gangorra, você já tem uma qualidade que é a capacidade da mente olhar, entender, contemplar, internalizar e agir de acordo com o que se entendeu. No outro extremo, você tem a capacidade natural da mente permanecer estável, relaxada e consciente, sem a necessidade de seguir os impulsos da mente.
O que nós vamos fazer a partir de agora é alternar e brincar na gangorra da mente – por vezes, ela vai estar em movimento e por vezes, ela vai estar mais calma. Então, esses dois recursos serão usados dentro do que for possível. Nesse caso, vamos utilizar meditação shamata, para aquietar a mente. E assim, teremos um ajuste de foco.
Shamata significa calmo repousar ou calmo permanecer.
É uma prática usada para domesticar a mente, digamos assim.
Lembrete: O que é relaxar a mente?
Relaxar é compreender essa ação da mente que está anterior ao apegar-se ou afastar-se do movimento da mente. Então, ao internalizar essa ação mental por meio do hábito da meditação, esse reconhecimento se torna natural e fluido. Por exemplo, enquanto meditamos pensamentos e emoções vinculados ao passado ou ao futuro surgem, mas se permitir que eles sigam o seu fluxo natural, sem se agarrar ou rejeitar o que surgir, é possível então perceber a textura deles.
Chagdud Rinpoche dizia:
“A mente comum é como um homem sem pernas, enquanto os ventos e as energias sutis do corpo são como um cavalo selvagem e cego. Essa combinação de mente e ventos é o que pode tornar a meditação tão difícil. Em nossa prática, portanto, lidamos com ambos os aspectos da mente – sua qualidade de conhecimento e sua qualidade de conhecimento e sua qualidade de movimento.”
A mente é capaz de reconhecer a sabedoria que ela já tem. Basta se permitir o silêncio.
Com a prática de shamata, é como se fosse um processo de decantação da mente. E assim, podemos olhar de forma mais profunda para as coisas, para a realidade, além dos nossos palpites furados sobre.
Entender, contemplar e agir
Com visão, meditação e ação, nós vamos até a raiz da nossa confusão – a fixação ao apego. No começo, é um pouco difícil meditar não pela técnica, a técnica de meditação é simples. Mas, o que torna difícil a prática é que não queremos aceitar, abrir mão das nossas ideias, concepções sobre as coisas. Então, aquilo fica parecendo uma luta interna pois não queremos abrir mão do controle.
Porém com o hábito da meditação, vamos afrouxando a mente e percebendo aquilo que nós verdadeiramente somos. A sabedoria aflora e nos tornamos conscientes e confiantes no processo, pela nossa própria experiência.
Se apenas pensar sobre a meditação resolverá os nossos problemas, tudo já estará resolvido. Outra coisa – geralmente, o mistério da vida se move e não dá muita importância para os nossos pensamentos e palpites.
Além disso, é natural que você se sinta preenchido por uma compaixão que agora compreende a real situação dos seres. É natural que a gente agora se mova oferecendo, querendo ajudar e parando de encher o saco dos outros com julgamentos e palpites baseados em nossas experiências tão confusas e enganosas quanto as de qualquer outra pessoa sem uma lucidez estável.
Para finalizar – Os 4 pontos essenciais para começar na meditação.
Eles estão presentes?
- Temos um método? Visão, meditação e ação;
- temos um um coração na prática? Motivação e Bodicita, querer se liberar dos obstáculos para oferecer, trabalhar
- Temos um pulmão? Shamata, nós trabalhamos com o foco nos 5 elementos
- Temos uma visão de lucidez para lidar com o mundo interno? Prajna com as Quatro Nobres Verdades e o caminho de oito passos
Por fim, como começar a meditar, de fato?
Dzongsar Khyentse Rinpoche estudou e praticou com os grandes mestres do budismo tibetano como S.S. Dudjom Rinpoche e S.S Dilgo Khyentse. É diretor de cinema, fotografo, cordena vários centros de retiro e mosteiros em várias partes do mundo. Também é autor de vários livros budistas, coordena um projeto de tradução e manutenção dos textos clássicos do Buda e é reconhecido por seu jeito bem-humorado e crítico quanto ao budismo e os desafios do mundo contemporâneo.
Ele diz:
Suponha que tenhamos uma hora para praticar: nos primeiros quinze minutos, deveríamos ouvir [Pensar] ou ler o Darma; nos próximos quinze minutos, devemos contemplar, pois a audição e a contemplação merecem tempo similares; e nos últimos trinta minutos devemos praticar a meditação.
Se você é sério sobre seguir o caminho do Darma, você tem que meditar. Ouvir e contemplar, mas não meditar, é como ler o menu várias vezes, mas nunca pedir [o prato]; Qual é o ponto? Você deve meditar. E o que é meditação? A meditação é permanecer completa e unidirecionalmente com nossa confiança no Dharma, que ganhamos com a audição e a contemplação.