Quando uma crise pessoal vem a tona, perdemos o chão. Percebemos o desmoronamento com o fim de um relacionamento amoroso, uma demissão inesperada, com uma pessoa querida diagnosticada com câncer ou uma pessoa muito próxima, em processo de morte ou luto. Dói.
Por vezes, até tentamos nos enganar, segurar mais, até nos sufocar completamente com a angústia e então, desabamos. Lágrimas e amargor, poderia ser diferente? Noites em claro, prantos, sofrimento. Em câmera lenta, observamos os ponteiros do relógio, o tempo e a primavera. Sem brilho, tudo acinzentado, sentimos uma solidão que estava por aí e resolveu aparecer sem aviso prévio.
A crise pessoal é mais da bolha do que nossa
A crise é inerente a construção e desabamento das identidades fixadas a uma bolha de realidade. Se quisermos chamar isso de apego, tudo bem. Para muitos, é incomum ter um raio-x mais amplo da situação, durante uma crise chegar e dizer: “bom, aqui surgiu apego. Preciso dar espaço, olhar com compaixão para isso, não sou o apego”. Quando a bolha estoura, nós chamamos isso de crise pessoal.
Ficamos paralisados, mas a nossa natureza búdica segue intacta. No budismo, os ensinamentos são usados para sanarmos o engano recorrente de achar que a crise é “nossa”. São os personagens dentro das bolhas que colapsam, nós seguimos. Nós somos os criadores das bolhas, não o conteúdo delas. Aproveitamos ao máximo o grande potencial da vida humana preciosa se olharmos dessa maneira.
Uma saída para crise pessoal
Quando o sofrimento aparece, ele nos paralisa. Então, podemos olhar para os pontos cegos pois estávamos muito ocupados na gerência das bolhas. Pode cair a ficha: começamos a duvidar da base onde estabelecemos a visão de mundo.
Começamos a perceber os carmas primários e eles afloraram nas condições secundárias. Percebemos a nossa fragilidade nas situações. Temos boa vontade, mas nem sempre temos meios-hábeis, nem para conosco.
Na visão dos ensinamentos mais elevados, estamos esquecidos de quem verdadeiramente somos e portanto, colhemos insatisfação, sofrimento. Ao buscarmos uma resposta definitiva sobre como lidar com as crises pessoais, nós entendemos, na verdade, como que nós criamos o passo-a-passo, “as pegadas” que nos conduzem a uma crise.
Sem lucidez, acabamos fixados em algum dos seis reinos do samsara, inevitavelmente, entraremos em aflição. Isso não é um agouro, é uma constatação. Avidya produz isso. É como observar e ver, mas sem sentir os próprios olhos. Você tenta piscar os olhos para se sentir bem, confortável, mas encontra apenas ardência.
Com o treinamento da mente, podemos começar a identificar certos níveis de apego, é simples: faça uma lista de cinco coisas que você não quer que mude. Quanto mais lutarmos contra a natureza da mudança sem uma percepção mais ampla de nós mesmos, é sofrimento, na certa.
Qual a raiz mais pessoal de uma crise?
Quando vestimos a camisa dos personagens, nos misturamos nas histórias e enredos dos seis reinos, como se fôssemos aquilo. Desconhecemos o “como” chegamos ali, mas há algo dentro de nós sussurrando, somos mais amplos que os horizontes das bolhas.
De algum modo, nós suspeitamos que fora do alcance do autocentramento, podemos ter um pouco de calma e sussego, respiramos! Se quisermos algum tipo de antídoto, resposta imediata, não encontraremos. Isso é apenas mais um malabarismo. Precisamos entender que descansamos na noite anterior e acordamos hoje para levantar e olhar as coisas com lucidez, mas sem pressa.
A solidão nos congela quando nos vemos sem chance de poder oferecer algo, servir, beneficiar. Então, quando enfatizamos a prática de compaixão, estamos apenas apontando aquilo que de fato somos e sem lucidez, nos afastamos. É justamente a compaixão que torna o apego algo menor, ele ainda aparece, mas sem tanta força-motora, de fato.
A crise pessoal e a busca por sentido
Se olharmos com cuidado, a compaixão inclui pararmos de sofrer. Ela inclui a compreensão do sofrimento das identidades dentro dos jogos de desejo e apego. Ansiamos por algo mais amplo, sempre.
Sobre o tema, S.S. O Dalai Lama diz:
Como seres humanos, todos nós temos o potencial de sermos pessoas felizes e compassivas, e também temos o potencial de sermos miseráveis e prejudiciais aos outros. O potencial para todas essas coisas está presente dentro de cada um de nós.
A premissa básica e fundamental para uma vida com sentido, para um potencial humano básico e digno, é a compreensão da busca incessante pela felicidade e o desejo inato (e por vezes) despercebido, em evitar a infelicidade. Então, se realmente quisermos superar uma crise pessoal, basta lembrarmos da impessoalidade da compaixão. Se nós nos movermos a partir dessa inteligência, a visão de mundo muda.
Passamos a entender essa liberdade natural de se posicionar de maneira ativa diante das situações e oferecer ajuda, proporcionar tempo para isso, estar mais perto do sofrimento dos seres.
Esse é o estilo de vida do bodhisattva, ele tem interesse em ultrapassar suas próprias dificuldades e estar disponível para ajudar os seres a fazerem o mesmo.
Exercício
A saída dos problemas pessoais é ver como e onde eles surgem e se dissolvem. A saída é olhar novamente para os mesmos problemas, porém pelo avesso. Bodicita é a solução dos nossos problemas pois ao acolhê-los e aceitá-los como são, nossa necessidade de resolver tudo ou consertar as coisas se evaporam como nuvens no céu. Deixo uma prática para olhar com calma e contentamento para os problemas pessoais.
Para saber mais
- Meditando a vida
- This Buddhist Parable Can Ease Your Suffering During a Crisis
- Lucidez em tempos de crise
- Living the Compassionate Life – The Dalai Lama – Lion’s Roar
Seguimos em grupo
Se está com dificuldades em praticar sozinho(a), de filtrar o excesso de conteúdo e livros disponíveis, se deseja ir além das notas de rodapé e anotações em cadernos póstumos, somos um grupo de estudos e meditação online.
Girar a Roda do Darma é colocar os ensinamentos em prática, na vida. De maneira descomplicada, nos encontramos semanalmente para olharmos mais de perto para nossa mente e as formas de se relacionar a partir da compaixão.
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