Dilgo Khyentse Rinpoche foi um dos últimos lamas da geração dos grandes professores que completou a educação e o treinamento no Tibete.
Foi um dos lamas principais da tradição antiga Nyingmapa e um notável detentor da linhagem de prática, que passou vinte e dois anos da vida meditando em retiro, consumando o fruto dos muitos ensinamentos que recebeu.
Ele compôs muitos poemas, textos de meditação e comentários e foi um tertön, um descobridor dos “tesouros” que contêm instruções profundas ocultadas por Padmasambhava.
Era um dos principais mestres das instruções essenciais de Dzogchen, a Grande Perfeição, além de detentor de centenas de linhagens que buscou, recebeu e ensinou ao longo da vida.
Em sua geração, Dilgo Khyentse Rinpoche foi o representante exemplar do movimento Rime (não sectário). Ele era renomado pela habilidade de transmitir os ensinamentos das diferentes linhagens budistas de acordo com a tradição específica de cada uma delas.
De fato, existem poucos lamas contemporâneos que não tenham recebido ensinamentos de Dilgo Khyentse, e a maioria deles, incluindo Sua Santidade o Dalai Lama, venera-o como um dos seus principais professores.
Erudito, sábio e poeta, mestre dos mestres, Rinpoche nunca deixou de inspirar a todos que o conheceram com sua presença monumental, simplicidade, dignidade e humor.
Sua origem e infância
Khyentse Rinpoche nasceu no Vale do Denkhok, no Tibete oriental, em uma família descendente da linhagem real de Trisong Detsen, rei tibetano do século XIX. Seu pai era ministro do rei de Derge.
Quando ainda estava no útero da mãe, foi reconhecido como uma encarnação extraordinária pelo ilustre Mipham Rinpoche, que deu ao bebê o nome de Tashi Paljor e lhe conferiu uma bênção especial e a iniciação de Manjushri.
Ainda criança, Rinpoche manifestou um grande desejo de se devotar inteiramente à vida religiosa, mas seu pai tinha outros planos. Os dois filhos mais velhos tinham saído de casa para seguir a carreira monástica; um tinha sido reconhecido como a encarnação de um lama e o outro desejava ser médico.
O pai de Khyentse Rinpoche queria que o filho mais novo seguisse seu exemplo e não aceitava que ele também pudesse ser um tulku, ou lama encarnado, como havia sido indicado por muitos mestres eruditos.
Aos dez anos de idade, o menino teve queimaduras graves e adoeceu; ficou acamado por quase um ano. Lamas respeitados disseram que ele não viveria muito se não recebesse a permissão para abraçar a vida espiritual.
Cedendo a tantas súplicas, o pai concordou que a criança seguisse os próprios desejos e aspirações, para cumprir o seu destino.
Aos onze anos, Rinpoche entrou no Monastério Shechen, em Kham, no Tibete oriental, um dos seis principais monastérios da escola Nyingmapa.
Lá, seu guru-raiz, Shechen Gyaltsap, entronizou-o como a encarnação da mente de sabedoria do primeiro Khyentse Rinpoche, Jamyang Khyentse Wangpo (1820-1892), o lama incomparável que, junto com o primeiro Jamgön Kongtrul, deu ímpeto ao renascimento do budismo no Tibete.
Todos os mestres contemporâneos buscam inspiração e bênçãos no movimento Rime.
Sabedoria e amor
Khyen-tse significa “sabedoria e amor”. Os tulkus Khyentse são encarnações de muitas figuras cruciais para o desenvolvimento do budismo tibetano.
Entre elas, o Rei Trisong Detsen e Vimalamitra que, junto com Guru Rinpoche, levaram o budismo tântrico para o Tibete no século IX; o grande Gampopa, discípulo de Milarepa e fundador da tradição Kagyu; e Jigme Lingpa que, no século XVIII, descobriu o Longchen nyingthig, a Essência do coração do vasto espaço da Grande Perfeição.
Em Shechen, Rinpoche passou a maior parte do tempo estudando e meditando com seu guru-raiz em um eremitério situado acima do monastério.
Durante esse período, Shechen Gyaltsap lhe conferiu todas as iniciações e instruções essenciais da tradição Nyingmapa. Rinpoche também estudou com muitos outros grandes mestres, incluindo o renomado discípulo de Patrul Rinpoche, Dzochen Khenpo Shenga, que lhe transmitiu sua obra-prima, os Treze grandes comentários.
Ao todo, ele recebeu ensinamentos e transmissões extensas de mais de 50 professores.
O Darma
Antes de Shechen Gyaltsap morrer, Khyentse Rinpoche prometeu ao seu amado mestre que ensinaria sem restrições a todos que mostrassem o desejo de conhecer o Darma.
Dos 15 aos 28 anos, passou a maior parte do tempo meditando em retiros silenciosos, vivendo em eremitérios ou cavernas isoladas ou, às vezes, simplesmente ao abrigo de saliências nas rochas, na região montanhosa próxima ao local onde nasceu, no Vale do Denkhok.
Mais tarde, Dilgo Khyentse Rinpoche passou muitos anos com Dzongsar Khyentse Chökyi Lodrö (1896-1959), que também era uma encarnação do primeiro Khyentse. Após receber de Chökyi Lodrö as muitas iniciações do Rinchen Terdzö, a coleção dos “tesouros reveladores” (terma), Rinpoche lhe disse que gostaria de passar o resto da vida meditando solitariamente.
A resposta de Khyentse Chökyi Lodrö, porém, foi: “Chegou a hora de você ensinar e transmitir os incontáveis ensinamentos preciosos que recebeu”. A partir de então, Rinpoche trabalhou constantemente para o benefício dos seres, com a energia incansável que é a característica singular da linhagem Khyentse.
Dilgo Khyentse e sua ação compassiva
Após deixar o Tibete, Khyentse Rinpoche passou a maior parte do tempo viajando pelos Himalaias, Índia, Sudeste Asiático e Ocidente, transmitindo e explicando os ensinamentos para muitos discípulos. Frequentemente, era acompanhado pela esposa, Sangyum Lhamo, e pelo neto e herdeiro espiritual, Rabjam Rinpoche.
Sua rotina de práticas
Onde quer que estivesse, acordava muito antes do amanhecer para rezar e meditar por várias horas antes de começar uma série de atividades incessantes, que se prolongavam até tarde da noite.
Ele realizava uma carga imensa de trabalho diário com total serenidade e sem esforço aparente. Nada do que fizesse – e muitas das vezes ele estava envolvido em diversas tarefas ao mesmo tempo – parecia perturbar o fluir da sua visão, meditação e ação.
Seus ensinamentos e estilo de vida combinavam os diferentes níveis do caminho em um todo harmonioso. Ele fazia oferendas extensas; ao longo da vida, ofereceu o total de um milhão de lamparinas.
Onde quer que fosse, oferecia ajuda a muitos praticantes e pessoas necessitadas, de uma forma tão discreta que pouquíssimas pessoas tinham noção da dimensão da sua caridade.
O construtor
Rinpoche acreditava que a construção de estupas e monastérios em locais sagrados ajuda a prevenir os conflitos, as doenças e a fome, promove a paz mundial e favorece a prática e os valores budistas.
Ele foi um incansável construtor e restaurador de estupas, monastérios e templos no Butão, Tibete, Índia e Nepal. No Butão, seguindo premonições relacionadas à paz do país, construiu vários templos dedicados a Padmasambhava, assim como diversas estupas de grandes proporções, vindo a se tornar um dos professores mais respeitados pela família real e pelo povo butanês.
Na década de 1980, Rinpoche fez três longas visitas ao Tibete, onde inaugurou a reconstrução do Monastério Shechen original, destruído durante a Revolução Cultural, e contribuiu de uma forma ou de outra para a restauração de mais de duzentos templos e monastérios, especialmente os monastérios de Samye, Mindroling e Shechen.
Na Índia, construiu uma estupa em Bodhgaya, o local onde Buda Shakyamuni atingiu a iluminação sob a árvore bodhi, e começou a planejar a construção de estupas em cada um dos sete grandes locais sagrados de peregrinação relacionados à vida de Buda, no norte da Índia.
No Nepal, transplantou a rica tradição Shechen para uma nova casa, um monastério magnífico diante da grande estupa de Bodhnath, que passou a ser o seu assento principal e que hoje em dia abriga uma numerosa comunidade de monges, liderada pelo abade Rabjam Rinpoche.
Khyentse Rinpoche manifestou o desejo específico de que, naquele lugar, os ensinamentos budistas fossem mantidos em toda a sua pureza original, exatamente como haviam sido estudados e praticados no Tibete; ele devotou um cuidado imenso à educação de lamas jovens e promissores, capazes de dar continuidade à tradição.
Incansável
Depois da destruição sistemática de livros e bibliotecas no Tibete, só restaram uma ou duas cópias de muitos dos textos.
Por anos, Rinpoche se empenhou na publicação do máximo possível da extraordinária herança dos ensinamentos budistas, num total de trezentos volumes, incluindo os cinco tesouros de Jamyang Kongtrul.
Até o fim da vida, Rinpoche ainda procurava encontrar as linhagens que não havia recebido e transmitia as linhagens que detinha. Ele transmitiu duas vezes os 108 volumes do Kangyur e cinco vezes os 111 volumes do Rinchen Terdzö, além de incontáveis outros ensinamentos.
Dilgo Khyentse visita o ocidente pela primeira vez
Khyentse Rinpoche visitou o Ocidente pela primeira vez em 1975 e, a partir de então, fez muitas outras visitas, incluindo três turnês pela América do Norte; ensinou em muitos países diferentes, em especial na sua sede europeia, Shechen Tennyi Dargyeling, em Dordogne, França, onde pessoas de todo o mundo receberam ensinamentos e vários grupos de alunos empreenderam, sob a sua orientação, o programa tradicional de três anos de retiro.
Com sua vasta atividade iluminada, Khyentse Rinpoche generosamente devotou a vida inteira à preservação e disseminação dos ensinamentos de Buda.
O que lhe dava mais satisfação era ver as pessoas realmente colocando em prática os ensinamentos e a vida delas sendo transformada pelo florescer da boditchita e da compaixão.
Até mesmo nos últimos anos de vida, a energia e o vigor extraordinários de Khyentse Rinpoche foram pouco afetados pela idade avançada.
No entanto, ele começou a mostrar os primeiros sinais de uma saúde debilitada no início de 1991, quando estava ensinando em Bodhgaya. Mesmo assim, finalizou as atividades programadas e viajou para Dharamsala.
Lá, durante um mês, aparentemente sem dificuldade, transmitiu uma série de importantes iniciações e transmissões da tradição Nyingmapa para Sua Santidade o Dalai Lama, que há anos solicitava-as.
De volta para casa
De volta para o Nepal, conforme a primavera avançava, tornou-se óbvio que a sua saúde estava se deteriorando gradualmente. Ele passava boa parte do tempo meditando e rezando em silêncio, reservando apenas algumas horas do dia para receber quem precisasse vê-lo.
Decidiu viajar para o Butão para ficar três meses e meio em retiro diante do “Ninho do Tigre”, Paro Taksang, um dos locais mais sagrados abençoados por Padmasambhava.
Ao completar o retiro, Rinpoche visitou alguns alunos que também estavam em retiro e lhes falou sobre o guru último, que está além do nascimento e da morte, além de qualquer manifestação física. Pouco depois, recomeçou a mostrar sinais de que estava doente.
Em 27 de setembro de 1991, ao cair da noite, pediu que seus atendentes o ajudassem a sentar ereto. Nas primeiras horas da manhã, sua respiração cessou e a mente dissolveu-se no espaço absoluto.
Referência:
PADMAKARA Translation Group. Introdução à edição em inglês. In RINPOCHE, Dilgo Khyentse. A essência da compaixão: as 37 práticas do bodisatva. Três Coroas: Makara, 2013. p.13-18.
Para saber mais sobre Dilgo Khyentse Rinpoche
O livro: Brilliant Moon: A Autobiography of Dilgo Khyentse (em inglês)
Através de histórias cotidianas, este mestre e erudito da tradição budista tornou-se aclamado e reverenciado por sua vida de estudos, retiros e ensino dos ensinamentso. Os acontecimentos da vida de Dilgo Khyentse Rinpoche, seus insights e experiências o tornaram um mestre coloroso, brilhante e realizado.
Em sua juventude, como é retratado no livro, ele se dedicou ao treinametno da mente, assim como enfrentou dificuldades em sua culutra e país, o Tibete, se restabeleciam no exílio.
A primeira parte deste livro inclui a história da infância de Dilgo Khyentse Rinpoche, contada com suas próprias palavras.
A outra metade, contém lembranças da esposa de Khyentse Rinpoche; seu neto e herdeiro espiritual, Shechen Rabjam Rinpoche; Tenga Rinpoche; Tsikey Chokling Rinpoche; Orgyen Topgyal Rinpoche; Kenpo Pema Sherab; a Rainha Mãe do Butão; Trulshik Rinpche; e Pewar Tulku