Quando nós pensamos em presentear alguém, nós nos alegramos, e isso é um fato. Nunca é sobre o que será dado, mas sim em relação à atitude em oferecer Basta uma simples notificação da transportadora: “seu pedido está a caminho do seu endereço” e o coração se alegra. Vale lembrar que recebemos a encomenda fechada, cuidadosamente embalada e das mãos de um estranho! Alguém se alegrou com a sua alegria antes mesmo de você. Há uma troca de ambos lados – quem oferece e quem recebe a lembrança. Nós damos espaço, nos permitimos a essa dinâmica além do nosso controle sobre as coisas.
Dar espaço é estarmos abertos, curiosos, interessados pela vida, pelo outro, pela exaustão em entrar pelo ralo em si mesmo. O presente físico é apenas um sinal, um reforço, na conexão positiva consigo mesmo e com o outro. Por estarmos nos alegrando pela alegria do outro, todos saem ganhando. A intenção por trás é mais relevante, o valor do objeto é detalhe. Nós estamos abertos, saímos da nossa bolha, estamos olhando alguns degraus para caminharmos na direção contrária do automatismo em nos apegarmos ao exagero (desejo e apego/gosto) ou negação (aversão/não gosto).
Atravessando para margem da lucidez
A prática das Paramitas pertencem ao âmbito do(a)s bodisatvas, aquele ou aquela que desejam ajudar os outros a atravessarem da margem da confusão para margem da lucidez. Uma Paramita pode ser comparada a uma ponte segura na nossa travessia – muitos bodisatvas do passado já fizeram esse trajeto e, portanto, é um caminho seguro rumo a lucidez.
Como uma representação dos níveis mais sutis e profundos de estabilidade meditativa, do ornamento do Darma nas situações, além de tempo e espaço, uma Paramita é um selo de qualidade de uma mente iluminada e do avanço no caminho.
Alegria verdadeira ou como abusar da generosidade?
Generosidade em sânscrito é Dana Paramita. Significa generosidade da mente e não de alguém.
Seja em uma fila do banco, aguardando a nossa vez de sermos atendidos ou sentados em uma sala de meditação, podemos cultivar essa generosidade da mente.
Mas, o que estamos falando em generosidade ou oferecimento? Como nos sentimos, de fato, ao praticarmos Dana?
Sobre o tema, Buda Sakiamuni afirma:
“Se você soubesse como eu sei o benefício da generosidade, não deixaria passar uma oportunidade sem compartilhar.”
Tenho um sobrinho traquino que deixa todos muitos boquiabertos. Ele costuma convidar as pessoas, com muita educação e malandragem de um pequeno, para sentar e brincar em roda, com os brinquedos dele.
Porém, com uma espontaneidade natural, ao término da diversão, ele cede seus brinquedos para as pessoas! Diz com um sorriso aberto, gostoso de se ouvir: “Gostei de você! Pode ficar com esse brinquedo.”
Apesar de achar que um caminhão de brinquedo, com a carroceria toda arranhada, ocupará muito espaço na garagem, o adulto aqui se alegra como uma criança sem julgamentos na hora de receber. Esse espaço está aí, entendem? Esse é o truque.
Quais os benefícios imediatos da generosidade?
- O cultivo de Dana oferece a possibilidade de purificar e transformar a avareza, o apego e a auto exaltação da identidade, bem como o medo que está ligado a essas energias de fixação;
- Um exemplo de avareza ou fixação é os tibetanos pegarem um objeto comum do dia-a-dia, como uma batata ou um nabo, seguram-no com uma mão e passam para a outra, de um lado para o outro, até que isso se torne fácil. Parece algo tolo, mas experimente fazer isso e veja as energias de controle sutis aparecerem sob o objeto em questão, pode ser um lápis grafite ou uma garrafa pet.
Em suma, quando oferecemos nós apreciamos duas alegrias:
- Aprendemos a dar e receber, abandonando o controle e avareza;
- Quem recebe, acaba recebendo o que é dado – sem intervenção da identidade – abraçando cada momento de nossas vidas exatamente como ele é;
Generosidade ou nove maneiras de se presentear
Como nós nos sentimos quando oferecemos? A seguir, temos nove formas de se sensibilizar com Dana Paramita. Antes de mais nada, pare. Olhe para a sua mente e seu movimento, respire fundo. Faça uma sessão de 10 a 15 minutos de shamata para aquietar a mente.
Em seguida, faça as seguintes contemplações:
- O que está acontecendo no meu corpo quando eu doo?
- O que está acontecendo em minha mente?
- Existe uma sensação de abertura, bondade e compaixão não sentimentais em meu coração, corpo e mente?
- Existe um sentimento de esgotamento, fraqueza, medo, raiva ou confusão – uma contração do meu coração, corpo e mente?
- Posso me aprofundar em minhas histórias, ideais e crenças sobre como eu quero ou não, a troca com o outro? Ou como acredito que ela “deveria ser” ou “não deveria ser”?
- Posso reconhecer conscientemente quando sou pego em histórias, crenças ou pensamentos de desejo ou aversão em relação à generosidade?
- Estou dando além do que é apropriado ou dando além do que pode ser saudável para mim emocional e/ou fisicamente?
- Meu coração, corpo e mente estão relaxados, abertos e alegres quando sinto que dei “apenas o suficiente”? Ou sinto angústia e contração do coração, corpo e mente ao dar “demais”?
- Estou ciente de quando o ato é o mais generoso possível, posso dar um passo atrás e simplesmente deixar as pessoas cuidarem de si mesmas, deixar ir e permitir que uma situação específica “apenas seja” e se resolva?
A generosidade como Perfeição da sabedoria
Lama Padma Samten comenta a generosidade, na visão da Perfeição da sabedoria, Prajna, aqui Dana ganha um olhar mais profundo. Essa é uma abordagem mais sofisticada.
“Quando há um movimento natural de benefício ao outro, o outro pode achar que isso é generosidade. Mas não há na generosidade do bodisatva uma generosidade. Ele não diz: ‘eu sou generoso, eu estou produzindo alguma coisa em benefício dos outros’. Há um fluxo natural que é visto como generosidade em uma perspectiva condicionada. Mas para remover a perspectiva condicionada, chamamos isso de perfeição da generosidade. Ao estudarmos o Sutra do Diamante, vamos encontrar essa correção constante de retirar o aspecto contaminado da expressão.”
Deixo aqui um vídeo com o aprofundamento do tema, com os comentários e maestria do Lama Padma Samten.
Para saber mais sobre a generosidade:
- Marcia Rose em The Gift That Cannot Be Given: Buddhist Generosity
- The First Paramita: Dana, Generosity: Roshi Joan Halifax
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Imagem de Niek Verlaan por Pixabay