Eu não sei quantos aqui são novos, mas a prática de meditação surge como um ponto central que é termos uma oportunidade de desenvolver uma capacidade de dirigir a própria mente.
Quando estamos nesse foco, parece mais que é uma questão de corpo porque nós temos que ficar parados. Enquanto nós dirigimos o corpo, nós inevitavelmente estamos dirigindo a mente. Se não conseguimos ficar com o corpo na posição, isso se dá porque a mente está girando.
É como se o treinamento começasse justamente assim: nós sentamos e começamos. Esse início do sentar é muito diferente – é apenas um início – do que acontecerá mais adiante. Todas as experiências, elas começarão a fazer parte do caminho.
Essa é a questão.
O corpo como âncora inicial
Nós usamos o corpo como uma ancoragem para mente. Nós tentamos nos posicionar e isso irá inevitavelmente colocar um limite na operação e na agitação da mente. Esse é o ponto central.
Agora, a própria posição ela traz demandas. Ela pressiona joelhos, pressiona tornozelos, pressiona as costas, etc. Então nós iremos desenvolver uma certa habilidade para podermos ficar parados sem termos uma perturbação da própria posição.
Nós reduziremos a perturbação da posição para poder nos mantermos parados. Isso é uma habilidade que com o tempo irá se desenvolver.
É importante entender que o quê nós estamos buscando aqui é uma redução da agitação da mente e, portanto, nós estamos buscando tomar a mente como caminho, tomar a mente como aliada no caminho.
Nesse momento, a nossa mente está envolvida pelas circunstâncias do samsara. Então ela flutua rapidamente em todas as direções e na medida em que nós nos movemos simplesmente desse modo, nós não vamos a lugar nenhum. É assim.
É como se o treinamento começasse justamente assim: nós sentamos e começamos. Esse início do sentar é muito diferente – é apenas um início – do que acontecerá mais adiante.
Todas as experiências, elas começarão a fazer parte do caminho.
Mas, neste momento, nós não temos essa capacidade. Nós vamos operar do jeito que é possível e essa é a abordagem de Chenrezig, ou seja, ela nos toma e nos encontra onde nós estamos. E, a partir daquele lugar onde nós estamos, nós começamos a fazer a prática. Então a prática irá se tornar complexa, se tornará profunda. Mas, esse início, ele pode ser justamente através da meditação silenciosa.
O caminho da meditação
O caminho da meditação, o budismo como um todo, ele não tem uma única forma. Ele tem uma rede de formas de manifestação e de trazer benefícios, e de nos levar ao longo das nossas dificuldades e superá-las.
Assim, por exemplo, enquanto eu digo que a meditação é o início, como há essa multiplicidade de possibilidades, é importante entender que a própria meditação pode se tornar um método do início, meio e fim.
Simplesmente as pessoas que tiverem essa conexão podem imaginar que estão encontrando um método que elas irão até o fim. Ainda que seja possível fazermos isso através da meditação, de modo geral, nós vamos introduzir outros elementos. Mas aqui estou me referindo a meditação e os outros elementos eu irei trazer durante esse retiro.
Preparando o corpo para sentar em meditação
Quando vocês sentarem o melhor é usar uma almofada. Isso se dá por uma razão quase arquitetônica: nós precisamos manter a coluna ereta. Se vocês estiverem com a coluna torta, logo em seguida os músculos sentirão [desconforto].
Se a coluna está torta, para podermos manter a posição, os músculos precisam ficar contraídos. É melhor colocarmos uma vértebra em cima da outra. Quanto mais equilibrados, menos tensão, menos força nos músculos.
Quando sentamos, por uma razão arquitetônica, nós não nascemos para isso propriamente, não é? Nossos ossos não apoiam no chão.
Nós apoiaremos os ossos da perna, mas a coluna fica um pouco para trás em relação ao apoio das pernas. Então a base fica sem apoio. Se ficamos sem apoio, eu fico tenso para tentar manter isso. Assim a almofada serve para permitir que o chão chegue até a base da coluna.
Por exemplo, se vocês sentarem sobre a almofada não dará certo. Se vocês usarem o zafu, aquela almofada redonda, não é para sentar em cima da almofada, é para sentar na ponta.
O papel da almofada na meditação
Aqui também (uso da almofada retangular; com casca de arroz ou outro preenchimento) nós vamos sentar na ponta, ela termina virando uma rampa e nós apoiamos na base da coluna. Se vocês acertam a posição da almofada, aquilo dá uma sensação de firmeza, dá uma sensação de que as coisas estão andando bem.
Então temos detalhes: se essa almofada estiver um pouco para dentro, é provável que vocês fiquem com uma dormência ou irá surgir algum obstáculo porque o ciático fica um pouco pressionado.
Logo que sentamos, não sentimos. À medida que os músculos irão relaxando, os nervos que estão por dentro vão sendo pressionados. Quando os nervos são pressionados, surge dormência e vocês começam a se incomodar. Aí, vocês deslizem um pouco para frente e deixe a almofada pressionado menos, menos contato e as coisas já começam a melhorar.
Se ainda assim, vocês estiverem com o surgimento de dormência nas pernas, vocês podem de vez em quando trocar de posição: deslocar um pouco para cá, um pouco para lá. Isso sempre é alguma pressão sob algum nervo.
Quando vocês acharem uma boa posição para almofada, vocês descobrirão que as pernas ficam um pouco desconfortáveis se elas ficarem apenas em contato com o chão. É melhor elas ficarem em lótus ou meio-lótus, vocês descobrirão isso.
Com o tempo, à medida que vocês continuam praticando, vocês encontrarão que a melhor posição é a posição de lótus, ou seja, com as duas pernas cruzadas.
Vocês se sentirão super bem. A posição de lótus não é uma posição religiosa ou mística, os praticantes vão praticando, praticando e praticando; eles terminam chegando nessa posição. Ela é a melhor posição.
Por outro lado, não é possível que vocês sentem em lótus imediatamente porque as nossas articulações estão um pouco rígidas. Nós não estamos acostumados. Então não temos essa flexibilidade. Se vocês forçarem, vocês ficarão com os joelhos machucados, com problemas.
Nesse ponto, como que nós iremos ultrapassar isso? A minha sugestão é que vocês fiquem por tempos curtos, como por exemplo, cinco ou dez minutos numa posição e depois troquem de novo.
Depois cinco ou dez minutos e troquem novamente. E quando estiverem na posição vão sempre relaxando. Se vocês ficarem mais do que um tempo numa posição e insistirem, é provável que a articulação machuque. Se a articulação machucar, vocês ficarão semanas ou meses, até isso se recuperar.
O melhor que vocês têm para fazer é sempre ficar por tempos curtos, sempre praticando numa posição e outra. Nós temos um conjunto de posições próximas que nos permite seguir praticando. Então nós vamos praticando nessas várias posições.
Encontrando a lucidez no silêncio da meditação
Quando nós estamos falando sobre isso, parece que o ponto central já é o corpo. Nós estamos falando: “o corpo isso, o corpo…, a circulação, o músculo, o ciático…” Mas esse não é o ponto.
O ponto é como que a gente pode enfim deixar o corpo firme e estável para que a nossa mente fique progressivamente mais estável.
No início do processo do treinamento, o que a gente quer é a estabilidade da mente. Mais adiante o que nós queremos é lucidez e mais adiante o que nós vamos querer é o estado natural, original, que é incessantemente presente mas nós não localizamos.
O nosso olhar sobre o que é a prática vai mudar. No início, o que nós queremos é a estabilidade. Mesmo que a gente mantenha a posição, ao longo do tempo, no decorrer do nosso treinamento, o objetivo vai mudando. O que é o centro da prática?
Eu dou essas sugestões iniciais. Seria bom que cada um encontrasse uma posição que pudesse começar e sentisse que pode trocar de posição, sentir isso na prática.
Sobre o ponto de vista um pouco mais sútil, entendemos que se nós estamos sentados e equilibrados, a nossa mente já não consegue nos arrastar, uma que nós estamos parados.
Se nós não tivéssemos nessa posição, talvez estivéssemos fazendo outras coisas… Então nós começamos a conter a agitação da mente justo porque nós equilibramos o corpo. Só ancorando o corpo a mente já encontra um limite.
O segundo aspecto muito importante que decorre disso, é o fato de que se nós sentarmos, e nós não estamos fazendo nada em volta, nós sentamos e a mente não tem com o que se distrair, há não ser fenômenos internos.
Esses fenômenos internos vão passando e vão se reduzindo em intensidade e importância. Mas, na medida em que passa o tempo, nós podemos ser tomados, por exemplo, por um cansaço ou uma sonolência.
É natural que as pessoas que fazem muitas atividades, que estão cansadas, quando paramos enfim, sem nenhuma excitação externa, de repente brota um peso e a pessoa sente um cansaço.
A energia e a meditação
A pessoa é desafiada também num ponto super importante que é o ponto da energia. Ela tem que fazer a energia aparecer mesmo na ausência de qualquer coisa excitante.
A meditação traz esses desafios, a gente fica parado e mantém uma energia, mantém uma vivacidade mesmo na ausência de qualquer excitação externa, sem qualquer apoio externo.
É como se nós recuperássemos a capacidade de vivacidade da mente que até agora estava sequestrada nas múltiplas atividades, nas várias demandas. Sem demandas, nós somos capazes de manter o brilho da mente? Essa é uma prática que surgirá dentro da própria meditação.
Brilho no olho, brilha na vida
Por exemplo, quando as crianças estão na escola, essa é uma questão. Eles estão todos parados. Será que eles têm uma capacidade de manter o brilho na mente e olhar o que está acontecendo em volta? E aprender o que precisa ser aprendido? Quando eles estão lendo, estão olhando alguma coisa, será que eles conseguem dirigir a energia e manter atenção ali?
Esse é um ponto que toca desde as crianças até os adultos de qualquer idade: saber se nós conseguimos parar e dirigir a atenção. Às vezes eu brinco que lavar a louça pode ser uma prática de meditação no sentido de que a pessoa precisa manter a energia equilibrada, manter o foco e girar aquilo.
É muito fácil lavar a louça! O aspecto interno é mais difícil. Se a pessoa estiver, por exemplo, com amargor, irritação ou várias flutuações emocionais, aquilo se torna um grande obstáculo.
O obstáculo está nesse nível e a meditação também. É muito fácil! Mas se a mente se prender em obstáculos, nós podemos achar: o que é que eu estou fazendo aqui? Eu estou perdendo tempo! Está doendo aqui, doendo ali, nós começamos com esse tipo de perturbação.
Aqui, nós fazemos isso que é super fácil que é só ficar parado e respirar tranquilo, manter a vivacidade. Assim, sempre iremos ter vários encontros de manhã, de tarde ou de noite, e a razão é essa: nós estamos buscando essa habilidade de poder dirigir a mente e dirigir a energia; desenvolver essa capacidade de permanecer vivo e calmo.
Nós começamos assim.
Essa é uma transcrição livre do retiro de inverno 2017, com Lama Padma Samten. O encontro aconteceu de 21 a 30 de julho no templo do CEBB Caminho do Meio (Viamão, RS).