Praticando shamata pura

shamata pura
Tempo estimado de leitura: 7 minutos

Shamata pura nos permite entrar e sair das adversidades identificando, de fato, as nossas flutuações cármicas. Assim, além de evitarmos ficar estagnados no caminho, percebemos também os carmas primários, latentes. E podemos avançar para próxima etapa, sétimo passo, Prajnaparamita. 

No caso, a prática em si será a shamata com foco na energia. Recomendo algumas meditações guiadas para irmos treinando, exercitando a capacidade de dirigir a própria mente. De vez em quando, é interessante lembrar da motivação correta se sentarmos para praticar pois segundo os mestres, isso acelera o processo de decantação da mente agitada e o processo de re-iluminação se torna natural.

Para aproveitar os estudos:

  1. Leia o trecho “Darma da vez” escutando a gravação do estudo em no podcast;
  2. Enriqueça a sua compreensão: Procure exemplos em sua vida com pessoas próximas, nos noticiários, nas diversas conversas entre amigos, no trabalho, etc.
  3. Antes de seguir para o próximo estudo, anote os exemplos ou as eventuais dúvidas e se preferir, compartilhe com o grupo de apoio aquilo que achar apropriado, dentro do escopo do tema.

Darma da vez

Na quiescência pura estamos andando no fio e dizemos “ok, podem me chamar do que quiserem!”, ou seja, agora chegamos ao segundo ponto, ou seja, vamos praticar o equilíbrio mesmo em meio às circunstâncias, não vamos nos fechar às influências. Por quê? Porque na realidade vamos estar sempre num ambiente onde as influências vão existir. Então em vez de ficarmos protegidos, fechados, nos abrimos, mas para isso precisamos do equilíbrio.

E por que então essa passagem da quiescência impura para a quiescência pura? O que estamos fazendo? Estamos na situação do equilibrista e precisamos dar um salto em nossa habilidade, ou seja, precisamos ser hábeis abrindo mão do fechamento. Até mesmo porque o nosso fechamento nunca vai ser hermético, é sempre possível encontrar um jeito de nos desestabilizar, alguém sempre vai encontrar um jeito de nos “jogar um tomate” e vamos cair, vão haver pessoas especializadas em nos derrubar.

Por outro lado, precisamos ser capazes de andar assim por dentro da casa em chamas e não queimar. A diferença entre queimar e não queimar vai ser essa. Vamos precisar entrar em todos os âmbitos da roda da vida, ou seja, nos seis reinos com equilíbrio completo. Se piscarmos os olhos, imediatamente seremos chamuscados.

Equilíbrio meditativo com shamata pura

Por isso o equilíbrio é necessário, para entrarmos nos vários âmbitos. Então na sétima etapa vamos testar os vários tipos de perturbação. Por enquanto não estamos testando as perturbações, estamos na sexta etapa, gerando uma capacidade de poder resistir à perturbação. Na sétima etapa é aonde vamos lentamente tomando os vários tipos de perturbação sem perder a lucidez. Por isso a sétima etapa é muito importante. Mas usualmente como é que reagimos? Com orgulho, com inveja, com desejo e apego, com cansaço, ignorância, com raiva, medo, carência. Ou seja, completamente perdidos.

Então, nessa etapa vamos abrir o nosso foco, vamos poder nos manter abertos ao mundo externo e mantendo o equilíbrio. Então aqui, em vez de concentração unifocada, temos abertura, abertura sensorial, ou seja, estamos na mesma etapa, mas estamos equilibrados e abertos. Depois da abertura sensorial, como na prática de dissolução ou do repousar, temos a não seqüência da mente, e isso significa o quê? A não dispersão. Por exemplo, se ouvirmos o galo cantar, não vamos pensar “será que ele está com fome, ou não está com fome?” Não pensamos em nada, ele apenas está cantando. Isso não nos impede de ouvir os pássaros cantando, os carros ao redor, outros galos, não nos impede de ver a luzes da sala, um sentido não interfere no outro.

Movimento caótico da mente e a liberdade natural 

Quando ficamos elaborando seqüências da mente, surge o fechamento, quando focamos alguma coisa abandonamos o resto. Mas nesse momento, como não estamos focando nada, podemos ver tudo ao mesmo tempo e vamos precisar dessa capacidade. A conseqüênciadanão seqüência da mente é o fato de podermos ver múltiplas coisas de forma simultânea. Essa percepção múltipla é como um controle de qualidade, na medida em que avançamos na prática, isso vai estar presente. Para essa abertura sensorial existe uma outra palavra que é Presença. Essa palavra é muito importante, ela vai nos acompanhar por um longo tempo.

Shamata pura: olhar os pensamentos e emoções com profundidade

Na seqüência à percepção múltipla, vamos começar a olhar o carma. Isso vai acontecer no seguinte sentido, quando estamos com a percepção múltipla estamos atentos, estamos vendo tudo, e quando vemos, vamos notar alterações dentro de nós, ou seja, vamos perceber o carma a partir do surgimento de alterações em corpo, fala e mente. Por exemplo, estamos parados aqui, e de repente ouvimos um menino falando lá fora.

Nesse momento deixamos de ser aquele corpo, fala e mente que estava na prática e surgimos como pai, mãe ou amigo daquela criança. Então acontece uma alteração em corpo. Pode haver uma alteração correspondente em fala, ou seja, surge uma emoção que também altera a nossa condição na prática. E pode surgir uma alteração em mente, ou seja, temos uma seqüência, começamos a pensar “ele está mexendo no cachorro, ele vai ser mordido, eu preciso alguma coisa.”

Mas como temos a habilidade que já surgiu da concentração unifocada, já aprendemos a nos manter em equilíbrio. E então, quando nos abrimos para as variadas influências, permitimos que o processo de perturbação ressurja através do contato. Quando permitimos que essa perturbação surja, localizamos naturalmente os impulsos que vão surgir dentro de nós, eles vão manifestar as nossas sementes. Essas sementes vão nos impulsionar para fora da condição onde estávamos. Mas como temos o equilíbrio, nesse momento praticamos Dhiana, ou seja, vemos o impulso em lugar de vermos o menino, vemos o menino em nossa mente, vemos o impulso que está dentro de nós e, portanto vemos o carma.

Olhar de fora para dentro – a saída dos nossos problemas

Então agora, invertemos o processo. Esse é o inicio da inversão, e porque vamos olhar dessa maneira, vamos poder cruzar as paredes. Não vemos mais os fenômenos externos, agora começamos a localizar as estruturas dentro de nós que sempre responderam de forma automática produzindo as nossas ações. Isso significa que agora estamos localizando as grades e as paredes da nossa prisão.

Mas essa etapa ainda é autocentramento. Por quê? Porque ainda continuamos com a noção de um eu e de um mundo externo. A diferença é que agora, dentro desse trajeto de oito passos, no momento em que qualquer coisa surge, já somos capazes de localizar a experiência de prisão, no exato momento em que ela se oferece. E por que precisamos desse mecanismo delicado para chegar nesse ponto? Porque a prisão não se mostra. A prisão não é visível diretamente, ela só é visível nos seus efeitos. Mas quando o efeito se produz, isso se dá na forma de um impulso de ação, ao qual obedecemos e seguimos. Então, mesmo quando o efeito se produz, não percebemos que aquilo é um acionamento cármico. Aquilo parece simplesmente uma coisa completamente justa, perfeita, sem nenhum problema.

A importância de condições favoráveis para praticar meditação

Então precisamos chegar ao ponto da quiescência impura, depois quiescência pura, artificial, numa sala artificial, numa condição toda construída, para que possamos localizar especificamente o momento onde o efeito da prisão surge através de um impulso que vai brotar como se fosse algo externo nos chamando. Assim vamos localizando a substância da prisão.

Numa circunstância normal não conseguiríamos ver o impulso, nos vemos simplesmente fazendo as coisas, vemos tudo como se fosse externo. Mas agora, permitimos que nos ataquem, porém, não reagimos na forma e na paisagem da pessoa que está atacando e portanto, não queimamos na casa em chamas e ainda podemos socorrer o próprio atacante. Nessa situação se simplesmente reagíssemos, não teríamos chance. Iríamos justificar “Eu fui lá, ele me atacou e eu reagi, qualquer outra pessoa faria isso!” Agora essa não é mais a nossa única alternativa. Não importa qual seja a perspectiva, temos essa capacidade, podemos fazer isso.

Praticando meditação em meio às adversidades

Então precisamos entender essa inversão de perspectiva. Eu vou usar essa expressão “inversão de perspectiva” para salientar esse aspecto. Precisamos ir até o ponto onde temos a capacidade de praticar a estabilidade e incluir um outro ingrediente que é a perturbação, e poder ver o efeito da perturbação não como se fosse algo externo, mas como uma flutuação da nossa própria mente. Ou seja, ao invés de olharmos a bandeira como algo que se move fora, precisamos ver a bandeira se movendo dentro. Esse é o exercício. Em vez de olharmos o fenômeno externo, estamos olhando o fenômeno interno. Se não conseguirmos olharmos os fenômenos internos, não vamos ter a possibilidade de transcendência e essa seria uma outra palavra para essa experiência, ou seja, transcendência.

Mas se em meio aos eventos, perdermos a meditação, perdermos a lucidez, caímos do arame. E como é que sabemos que caímos do arame? Porque a nossa mente disparou, ela foi pega pelo evento. Não podemos ser pegos pelo evento, mas ao mesmo tempo, não estamos fechados para ele, o que seria a concentração unifocada. Não estamos fechados, ou seja, aquilo surge e vamos observar, e isso seria estar sobre o arame onde estamos andando. Vamos observar aquela marca mental, aquela marca cármica e vamos observá-la produzindo o significado que estamos vendo por exemplo, numa capa de revista, mas que não está na capa. Essa é a prática.

Importância do equilíbrio em corpo, fala e mente

Dessa forma podemos transcender a visão convencional, mas precisamos treinar. Quando vemos o carma aparecendo, ao mesmo tempo, voltando àquele exemplo do tigre, é como se o tigre enfim, entendesse que ele é um tigre, o que nunca tinha acontecido, porque um tigre é aquele que tem aqueles impulsos. Mas ao mesmo tempo em que ele vê isso, ele está vendo de um ponto afastado. Então ele já tem a semente para se livrar daquela condição cármica, porque ele já está num ponto livre daquilo para poder observar. E qual é o ponto livre que utilizamos para poder ver? O ponto do equilíbrio. Desenvolvemos estabilidade em corpo, fala e mente para que qualquer alteração em corpo, fala e mente seja visível.

Tudo isso é quiescência pura. Mas para que seja quiescência pura é necessário estarmos abertos. A quiescência pura é a última etapa de Dhiana. Depois disso vem Samasati. Depois vamos utilizar essa quiescência pura e fazer um “up-grade” nela, indo adiante. É como se tivéssemos atravessado a porta do espelho. Primeiro olhamos para o espelho, e agora atravessamos o espelho, entramos no mundo atrás do espelho. Sem isso não há chance, não há como cruzar.

O olho de sabedoria do Darma está sempre presente

E agora podemos perfeitamente retornar, voltar à primeira nobre verdade, experiência cíclica; à segundo nobre verdade, a prisão à experiência cíclica, a origem da prisão; à Terceira Nobre Verdade, quando a prisão cessa; e à Quarta Nobre Verdade, a motivação. E agora a motivação fica mais clara. Dizemos “Nossa! Essa porta! E eu nem vou dizer se essa porta é estreita ou não é, essa porta simplesmente não existe! Eu olho a parede e não vejo a porta! Por tanto, o número de pessoas que é capaz de cruzar por isso é mínimo!” Isso equivaleria, por exemplo, no livro do Harry Poter, quando ele entra na coluna da estação 8 ½. E ele entra ali quando ninguém é capaz de passar por ali, mas ele entra e sai lá em outro lugar. É um tunelamento quântico, ou seja, aquilo não é possível, mas acontece. Então vamos cruzar, mesmo quando aquilo parece impossível, mesmo que ninguém consiga apalpar e ver a porta, porque essa porta existe. Quando cruzarmos para o outro lado, já estaremos na sétima etapa.

Agora começamos a entender porque a nossa chance de avançar sem a estabilidade da mente é mínima. Sem motivação clara? Nenhuma chance. Portanto, se não fôssemos serenos, capazes de seguir uma linha sequer, não conseguiríamos sentar aqui para ouvir os ensinamentos. Então precisamos praticar muito a estabilidade.­

Podcast

A seguir, aperte o play e acompanhe o estudo em áudio:

Shamata pura

Imagem de Helena Cuerva por Pixabay

Autor
Coordenador
Praticante budista e instrutor de meditação. Desde 2011 dedica seu tempo à descoberta do coração desperto (bodicita), a partir dos ensinamentos de Buda e nas instruções práticas de Lama Padma Samten. Casado, pai de 2 filhos, é coordenador da Roda do Darma e tutor no CEBB.

3 comentários em “Praticando shamata pura

  1. Anonimo Responder

    Por favor Tem o link do podcast Podcast #21 ?

    • Roberto Sampaio Autor do postResponder

      Oi Querido(a)!
      Acabei perdendo o audio quando migramos de servidor.
      Obrigado pelo contato, feliz em saber que o conteúdo lhe ajuda de alguma forma!
      .
      Se tiver alguma dúvida, em específico, sigo disponível para conversarmos.
      Obrigado.
      Roberto,
      Roda do Darma.

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