Tulku Urgyen | Dignidade Despreocupada

Tulku Urgyen
Tempo estimado de leitura: 6 minutos

Dignidade despreocupada é um jeito de descrever a atmosfera de um verdadeiro professor da sabedoria e Tsoknyi Rinpoche cunhou esta frase para encapsular a maneira de crescer na maestria da visão autêntica da realidade e como comportar a si mesmo na vida diária.

Dessa forma, enxergar e se comportar estão em perfeita harmonia. Essa harmonia é a essência do dos tantras budistas e a maneira mais rápida de progredir no verdadeiro e completo despertar.

Tulku Urgyen Rinpoche foi meu pai, mas também, meu professor. Ele ofereceu a muitas pessoas várias instruções, utilizando muitos métodos. À primeira vista, ele parecia apenas como qualquer outro homem velho, mas sua mente era a de um grande iogue Dzogchen.

Ele usaria todos os tipos de diferentes métodos para nos fazer entender. Em particular, ele ensinaria mente a mente.

3 maneiras de ensinar o Darma

Há três principais maneiras de ensinar, chamadas de transmissão mental dos vitoriosos, as transmissões de sinais dos detentores de sabedoria e a transmissão oral dos mestres. A primeira envolve a transmissão de mente à mente; a segunda, ensinamentos utilizando gestos ou símbolos, e a terceira utilizando palavras.

Eu não devo elogiar em voz alta a grandiosa realização do meu pai, pois muitos outros mestres já a realizaram anteriormente. Eu devo adicionar a isso. Mas observar o comportamento do Riponche pode nos ensinar algo também; há algo para ser aprendido ao examinar sua vida.

Antes da morte de Tulku Urgyen, em 1996, eu tive a sorte de passar alguns meses com ele, e durante esse tempo eu me tornei muito claramente consciente acerca de como eu me comportava.

Há um certo modo de compaixão natural em alguém que verdadeiramente percebe o vazio, e Tulku Urgyen possuía esse tipo de grande compaixão. Ao testemunhar isso, senti que podia entender melhor como a compaixão desdobra-se no entendimento do vazio.

Tulku Urgyen esteve muito doente nos últimos meses; tão doente que ele realmente deveria deitar e receber oxigênio. Ele tinha problemas cardíacos graves, mas não excluiu ninguém de seu coração. Ele não abandonou ninguém, mesmo em sua última respiração.

Bodicita

Esse é um sinal de um verdadeiro bodisatva. Alguém que percebeu que a vacuidade é naturalmente compaixão, e não se fecha e torna-se preocupado somente consigo mesmo(a). Como “Agora eu não me sinto muito bem. Eu não quero encarar nada, eu não quero ver ninguém, eu não quero fazer nada.” Rinpoche nunca foi assim, nem mesmo em seu último dia de vida.

Rinpoche teve muitos atendentes de saúde, incluindo doutores alemães e americanos, um assistente médico ocidental e algumas freiras. Eles enfatizaram que ele precisava descansar e tentaram restringir suas visitas.

Quando estavam presentes, Rinpoche não tinha permissão de ver ninguém. Meu irmão e eu temos crianças pequenas, e elas também foram proibidas de visitar seu avô. Mesmo assim, logo após a saída desses atendentes, o Rinpoche Tulku Urgyen mandava chamar alguém.

Ele instruía um diferente atendente a buscar as crianças, e lhes dava abraços ou alguns doces. Ele chamava outras pessoas também, para vê-las ou dá-las algumas palavras de aconselhamento.

No fim, ele estava extremamente doente e enfrentando muitas dores, mas eu não acho que vez alguma ele pensou, “Eu não quero me relacionar com ninguém, eu não quero compartilhar nenhum ensinamento, eu não quero ser incomodado.” Eu sinto que esse tipo de pensamento nunca passou pela mente do Rinpoche. Ele foi assim até sua última respiração. Isso é um sinal de um bodisatva. Através disso, alguém pode ter uma ideia de tamanho mestre que uma pessoa assim é.


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Simples de coração

Quando eu me comparo a Tulku Urgyen eu consigo ver uma enorme diferença, e através disso eu entendo algo a mais sobre essa realização. Mesmo que Tulku Urgyen estivesse demasiado doente, ele estava mais preocupado com os outros do que consigo mesmo.

Se alguém viesse o visitar, ele não falaria sobre o quão doente estava ou o quão mal sua saúde andava. Ele sempre perguntaria para o outro como ele se sentia e tentaria ajudar ou dar algum ensinamento. Um pensamento tão altruísta é possível através de experiência e realização.

Tulku Urgyen viveu de uma maneira simples. Ele era muito simples internamente, então não precisou fazer muito barulho acerca de sua vida. Mesmo assim, ele ainda conseguia feitos extraordinários. Ele construiu vários monastérios, além de dar muitos ensinamentos e força aos outros.

Ainda assim ele mesmo viveu de modo simples, e por causa disso nunca se cansou de executar atividades do Darma. Muitos de nós tornamos nossas vidas muito complicadas com todos os pensamentos e ideias que temos. Se nosso processo de pensamento é muito complexo, até uma simples tarefa pode se tornar demais.

Mesmo se nós conseguirmos executá-la, nós a achamos muito cansativa, muito exaustiva. O oposto disso é pensar de maneira muito simples, com uma mente aberta e clara, da qual possibilita grandiosa atividade. Eu li sobre esse tipo de personalidade muitas vezes nos ensinamentos, em livros, mas o Rinpoche Tulku Urgyen exemplificou isso.

Sua vida, seu exemplo

Sua vida mostra a necessidade de ser simples internamente. Então, mesmo se você tenha que desempenhar tarefas complicadas, está tudo bem. Suplicar a origem e linhagem dos gurus significa realmente aspirar ser realizado como eles, usá-los como exemplos de como ser. Eu sinto que foi uma ótima ajuda para mim, realmente testemunhar pessoalmente como Tulku Urgyen era.

Eu estava lá quando ele morreu. Antes e depois de sua doença, eu nunca o ouvi dizer, “Eu não quero ajudar alguém.” Ele nunca expressou isso. É assim que um bodisatva é.

Um verdadeiro praticante se sente à vontade em qualquer situação, não importa qual seja. Além de se sentir à vontade, há algum sentido em ser feliz, mas triste ao mesmo tempo, meio suave, no sentido de estar fatigado ou desencantado pelo samsara.

Essa suavidade é o que faz alguém não abandonar algum ser senciente sequer. Ao pensar, “eu não aguento essas pessoas, elas são irritantes, eu quero ir para casa, para meu próprio ambiente de retiro e ficar confortável,” significa que a pessoa está abandonando os seres sencientes.

Tulku Urgyen sempre enxergava as pessoas, especialmente aquelas que vinham de longe, mesmo quando ele estava em retiro. Nunca o ocorreu o pensamento de excluir os seres que queriam contato com ele.

Ele nunca teve a atitude de excluir os outros. Mesmo quando ele estava tão doente a ponte de mal conseguir dar um passo sozinho, ele tinha seus atendentes para sustentá-lo em frente à sua janela, para que pudesse acenar adeus às pessoas que vieram visitá-lo.

A atitude de um bodisatva

Isso era muito irritante para algumas das pessoas que tomavam conta dele. Eles diziam, “Rinpoche, por que você é assim? Por que não consegue se comportar e evitar ver pessoas, é para seu próprio bem.” Mas agora nós percebemos que isso somente mostra sua atitude de bodisatva.

Ele nunca se considerou como mais importante, mas sempre assumiu que os outros fossem mais importantes do que ele. Mesmo quando ele não conseguia caminhar ou sentar sozinho e teve que receber ajuda e suporte, ele ainda dava atenção aos outros, perguntando quem cada pessoa era e de onde tinham vindo.

Geralmente quando estamos doentes não somos desse jeito, somos? Nos trancamos internamente e não deixamos que ninguém entre, porque queremos estar confortáveis. De fato, nos irritamos quando pessoas vêm. Por outro lado, quando o Rinpoche ouvia que alguém estava vindo, ele se alegrava.

Muitos de vocês encontraram o Rinpoche Tulku Urgyen e puderam ver o que ele fez por si mesmo – não foi muito. Ele estava feliz com muito pouco, um modo muito simples de viver. Ele não se deu muita importância ou fez muito por si. Mas, por outro lado, ele fez muito em sua vida.

Ele conquistou muitos afazeres, fez muitas coisas, mas todas pelos outros. Ele nunca desistiu ou abandonou ninguém. Até sua última respiração, ele agiu pelo bem-estar alheio. Não é fácil ser genuinamente um bodisatva, apenas preocupado com os outros.

Tulku Urgyen e o lembrete fundamental

Tulku Urgyen era realmente assim. Quando muito doente, ele direta e indiretamente se disponibilizou aos outros, mesmo sabendo que podia morrer em um ou dois dias.

Ser tão totalmente altruísta é muito difícil. Eu passei muito tempo com o Rinpoche e nunca o vi ao menos uma vez mostrar qualquer irritação com a perspectiva de ter de se encontrar com alguém. E ele, muitas vezes, viu pessoas das seis da manhã até as nove da noite.

Agora mesmo não estamos falando sobre qual realização Tulku Urgyen teve, sua visão, sua maneira de meditar e assim por diante. Vamos deixar isso totalmente de lado. O que eu sei é o que eu vi – como ele se comportou, o seu comportamento.

Nós deveríamos tomar esse exemplo para o coração. Faça o pedido, “Que eu possa ser como um bodisatva desse.” Às vezes, quando treinamos na visão e nossa meditação está boa, deveríamos lembrar do exemplo em vida de mestres como esse.

Para resumir, o mais desapegado e livre você for internamente, mais profundamente relaxado e aberto, melhor. Na medida que essa liberdade surge do meio interno, nós podemos ajudar uns aos outros muito mais.



Participe!

Fonte original: http://levekunst.com/carefree-dignity/

Tradução: Amábile Toschi Bertoja

Edição: Roberto Sampaio

Autor
Coordenador
Praticante budista e instrutor de meditação. Desde 2011 dedica seu tempo à descoberta do coração desperto (bodicita), a partir dos ensinamentos de Buda e nas instruções práticas de Lama Padma Samten. Casado, pai de 2 filhos, é coordenador da Roda do Darma e tutor no CEBB.

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