O QUE É A VACUIDADE?
A base de quem somos, a essência de todos os fenômenos, foi traduzida como vacuidade. Em geral, tendemos a achar que ela se refere a nada ou a um vazio que permeia nosso ser.
“Vacuidade” é uma tradução para a palavra sânscrita sunyata, derivada de sunya, a qual significa um espaço ou “segundo plano” infinitamente aberto, que permite que qualquer situação apareça.
Sunyata se refere à base da experiência além de nossa capacidade de perceber através dos sentidos físicos, de encaixotar as coisas em uma categoria, em um nome que caiba em um conceito. Vacuidade está sempre associada à liberdade, no sentido de possibilidades.
Tsoknyi Rinpoche em Coração aberto, Mente aberta, explica que esse espaço infinitamente aberto permite que qualquer experiência surja, mude, desapareça e reapareça.
Em outras palavras, o significado de vacuidade é basicamente “abertura” ou “potencial”. Nosso ser é “vazio” de características definitivas.
Não somos definidos por nosso passado, presente ou pensamentos e sentimentos sobre o futuro. Temos o potencial de experimentar qualquer coisa. E isso significa quaisquer pensamentos, sentimentos e sensações físicas.
Na verdadeira vacuidade, sentimos uma abertura que deixa tudo surgir e não a transformamos em algo pessoal ou em palavras: ela vai tocando o âmago do nosso ser.
A vacuidade aponta a natural liberdade inerente de todas as coisas. É o ponto básico de transformação e mudança que tanto desejamos. Por isso, é muito importante não cair na reificação da vacuidade como um mero objeto intelectual… mas sim como uma experiência real e palpável.
POR QUE COMPREENDER A VACUIDADE?
Em geral, a mente conceitual e seus julgamentos são binários. Observe quando nós ouvimos ou experimentamos um pensamento ou emoção: reagimos de imediato, com conclusões ou sentenças.
Podemos colocar objetos em nossas prateleiras de experiências boas ou ruins. Devido aos padrões habituais de condicionamento, acreditamos que oscilar entre esses dois extremos é o único jeito de experimentar a realidade à nossa volta.
Na prática de treinar a mente para reconhecer a vacuidade, os pensamentos e sentimentos continuam a surgir. Eles vêm e vão. Você também percebe que eles são mutáveis e substituídos por outros. Então, você começará a experimentar um espaço amplo onde as vivências internas surgem e desaparecem ao mesmo tempo.
Começamos a vislumbrar uma liberdade aberta, com clareza e compaixão, em toda experiência emergente. Ela é ausente de solidez.
A partir daí, começamos a questionar a natureza dos pensamentos e emoções usuais. Não vamos rejeitar nem segurar o que surgir. Com o exercício dessas práticas, seremos capazes de atravessar as diversas situações que antes achávamos dolorosas, felizes, tristes ou indiferentes.
Com a experiência de vacuidade, descobrimos uma segurança e destemor além da soberba. Percebemos que a nossa casa é esse espaço aberto e aconchegante da mente em sua liberdade, ou seja, na vacuidade.
TIPOS DE VACUIDADE
A vacuidade pode ser abordada de forma bem-humorada ou mal-humorada.
Quando apontamos os enganos e inconsistências a partir de premissas e conclusões lógicas, desmontando as aparências: isso é a vacuidade mal-humorada. Nós passamos a eliminar, camada por camada, a realidade das aparências. Passamos um certo tempo “descascando” a cebola, desmontando as coisas.
Reconhecemos que há uma liberdade em olhar para os padrões internos e, então, começamos a negá-los. Dizemos: “Isso não faz sentido. Estou me iludindo. Não quero isso!”— e, assim, desmontamos tudo ao nosso redor.
Nesse aspecto mal-humorado, nós nos posicionamos e não respondemos às coisas quando elas surgem. É uma etapa. Porém, melhor mesmo é entendermos que, em meio ao mundo comum, obtemos a liberdade do jeito que ela se apresenta e reconhecemos sua vacuidade, ou seja, sua ausência de solidez.
Uma forma simples de ver a vacuidade é a contemplação da impermanência. Entendemos que o clima, por exemplo, pode ficar frio, quente, morno, e assim por diante. Já que mudam, situações, lugares, pessoas e coisas não estão nelas mesmas, propriamente.
É preciso ter cuidado e pedir ajuda nesse momento, pois se apenas usarmos o raciocínio lógico, cairemos na armadilha do desinteresse pelo mundo ao redor.
Vacuidade é percebemos que não somos obrigados a responder a tudo de modo automático e reativo. Sem esse exercício, não conseguiremos ver como fazer diferente. Daí, perceberemos também que podemos nos mover por liberdade diante do que quer que surja. Com lucidez e clareza sobre nossa verdadeira natureza.
Na vacuidade bem-humorada, nós temos essa liberdade diante da solidez que atribuímos às coisas, e em seguida, sorrimos por termos nos encantado com aquele padrão que se tornou prático e operativo, ainda que fosse uma experiência coemergente. Percebemos o aspecto luminoso da realidade, mágico.
Em vez de ficarmos negando a realidade ao redor — o que nos afasta dela e não nos leva a lugar nenhum — vamos sorrir e nos impressionar com o aspecto criativo por trás das coisas. O ponto é a substancialidade luminosa das coisas.
O texto do Sutra do Coração da Abençoada Prajnaparamita aborda tanto o aspecto mal-humorado quanto o bem-humorado.
ERROS COMUNS SOBRE A VACUIDADE
A vacuidade é uma das maiores descobertas da prática contemplativa. Porém, seu entendimento é geralmente reduzido a uma espécie de zero, vazio, nulidade ou niilismo.
O mestre budista indiano e “especialista” nos ensinamentos sobre a Vacuidade, Nagarjuna, dizia: “A vacuidade apreendida erroneamente é como pegar uma cobra venenosa pelo lado errado”. Em outras palavras: seremos mordidos!
7 principais equívocos:
- acreditar que tudo é vazio e se fixar nisso como uma ideia;
- achar que vazio significa nada;
- cair no niilismo;
- achar que pode “fazer o que dá na telha”, ignorando a interdependência. Nenhuma ação que cause sofrimento ou dano ao outro pode ser justificada pelo bem de uma experiência de “vacuidade”;
- imaginar que a vacuidade é um lugar fora de nós, como um céu ou inferno, separado da vida comum;
- associar vacuidade a vazio emocional;
- entendê-la como “não pensar”.
Para ajudar, podemos contemplar os seguintes pontos:
- Falar de vacuidade é falar da interdependência.
- Ela está associada à compaixão, ao senso de conexão e à sabedoria.
- S.S. Dalai Lama afirma que a vacuidade com compaixão reconhece e libera a verdadeira natureza das coisas e das situações. Se você está embotado ou hiperativo, ambos os estados mentais têm a natureza da vacuidade.
- Suzuki Roshi citava a vacuidade como “estar no seio de nossa mãe: ela cuidará de nós, sem dúvidas”.
Vacuidade parece ser algo difícil de entender. Porém, é uma das principais contribuições dos ensinamentos sobre a natureza da mente e a experiência humana e a forma como lidamos com as situações da vida.
Ao cruzarmos pelas nossas vivências, é possível perceber fluidez e clareza, assim como a transparência da realidade ao redor e o destemor para seguir com o coração aberto ao mundo. Essa é a experiência de vacuidade descrita no budismo ao longo de 2.500 anos.
O principal objetivo de entendermos a vacuidade é compreender esse tema tão precioso: quem verdadeiramente somos.
ACERTOS SOBRE A VACUIDADE:
- Compreender que a vacuidade tem como principal objetivo elucidar o veneno da ignorância e os 3 sofrimentos causados por ela.
- Entender que não é deixar de sentir o que surge ou sentir-se vazio, mas soltar as fixações e o apego devido ao autoengano.
- Ver a interdependência de todas as coisas: tudo se apoia, nada se faz sozinho.
- Ver a vacuidade inseparável das 4 Nobres Verdades.
- Dissecar e reduzir o coração adoecido por rancor e ódio.
- Experimentar a visão do Caminho do Meio, a natureza inerente que tudo permeia — livre de extremos como otimismo/pessimismo, certo/errado, alto/baixo etc.
- Ver a natureza vazia/luminosa despontando como originação dependente e inseparável da compaixão por todos os seres.
- Entender como acontece a discrepância entre o que o “eu” descreve como aparência e a realidade ao redor.
- Ao soltarmo-nos da fixação e do apego, teremos nossas ações baseadas em generosidade, moralidade, paciência, energia constante e assim por diante — as 6 perfeições (paramitas) que culminam em Prajnaparamita.
- A verdadeira natureza da vacuidade é a compaixão, por isso ela também é chamada de Grande Compaixão.
COMO EXERCITAR A VACUIDADE?
Resumo para a prática diária sobre a Vacuidade, por S.S. Dalai Lama
Importante ressaltar que a prática abaixo é apenas uma amostra grátis sobre o tema.
Existem muitos textos e instruções sobre a vacuidade. Na minha opinião, ela é uma prática que requer o apoio de um professor qualificado por uma linhagem autêntica. Caso contrário, é comum cairmos nos extremos da realidade — eternalismo e niilismo — e objetificar vacuidade como um mero conceito mental, sem transformarmos o que surgir em experiência viva dos ensinamentos.
Como um exercício de identificação de como objetos e seres aparecem falsamente, tente o seguinte:
- Observe como um relógio aparece em uma loja quando você o vê pela primeira vez. Então, como sua aparência muda e se torna ainda mais concreta à medida que você fica mais interessado nele e, finalmente, como ele se parece depois de você comprá-lo e considerar que é seu.
- Reflita sobre como você aparece à sua mente, como se existisse inerentemente (sólido, concreto e inseparável da mente que o vê).
- Em seguida, reflita sobre como os outros seres e seus corpos aparecem em sua mente.
*Esta seleção é de How to Practice: The Way to a Meaningful Life, de Sua Santidade o Dalai Lama.
Assista agora: