Raiva e o medo | Reino dos infernos
A agressão do reino dos infernos não parece agressão sua, mas permeia todo o espaço a seu redor. Há um sentimento de extremo abafamento e claustrofobia que aparenta vir de fora. Não há espaço para respirar ou agir e a vida se torna opressiva. Num primeiro momento é como se fosse impossível se mover. A agressão é tão intensa que, mesmo matando alguém para satisfazê-la, você teria somente um grau pequeno de satisfação. A agressão mantém-se intacta ao seu redor. Mesmo que você tentasse se matar perceberia que o matador permanece: portanto, você não teria como se matar completamente. Há um ambiente de agressão constante.
Agressão a si e aos outros
A agressão cresce até o ponto em que não há mais espaço: todo o ambiente se solidifica. Não há sequer brechas para olhar atrás ou mudarmos de ideia. Todo o espaço se preenche completamente de agressão. É espantoso. Não há oportunidade de criar um observador que testemunhe sua destruição, alguém que lhe faça um relatório. Mas, ao mesmo tempo, a agressão cresce. Quanto mais você destrói, mais você cria. Tudo o que se vê ao redor é quente, intenso e extremamente claustrofóbico. Quanto mais tentamos destruir nossos inimigos ou vencer nossos oponentes, mais geramos resistência e agressão para nós mesmos.
Não há nenhuma oportunidade de experimentar compaixão e abertura. Há, ao contrário, um esforço constante que pode ser bastante engenhoso, para nos fecharmos ainda mais na raiva. Por fim, não há mais nenhum espaço para a comunicação. Nesse momento, o único modo de se comunicar é buscando formas de se reconectar à própria ira. Há uma uma falsa sensação de termos vencido uma guerra contra alguém, mas no final, não obtivemos uma resposta de outra pessoa: eliminamos fisicamente o que nos causa a raiva, aquilo que dá sentido à nossa existência. E, com isso, restou apenas a própria agressão voltada para você mesmo, e ela acaba se tornando o que é possível ver. Há uma alternância entre desistência e luta, no sentido de seguir, apenas seguir.
O inferno quente
Surge uma experiência interna similar a “não há lugar onde se possa colocar o pé com segurança”. É como se estivessemos vestidos com uma roupa confeccionada por carvão aceso. Aqui, todas as ações equivocadas são motivadas pelo ódio ou medo. Tudo é visto naturalmente como ameaçador e merece ser destruído, no sentido de evitar, matar, extinguir, retirar da nossa frente o que quer que surja. Há uma imensa sensação de tristeza e de se estar preso num labirinto sem saída. Tudo é visto naturalmente como amedrontador e passível de ser um alvo de desespero, agonia, dor. Busca-se culpados e inocentes, vítimas e acusados. É como se fosse um filme de terror muito intenso.
O inferno frio
É como se estivessemos nus, expostos ao vento e neve. No inferno quente, a raiva é colocado de modo externo, como um vulcão em erupção. No inferno frio, ficamos imóveis, nos sentimos consumidos mas não externamos, comunicamos isso para os outros. Ficamos apenas ruminando o que houve de errado? O que eu não vi? Se alguém chega para nós e pergunta o que houve, ficamos monossilábicos. Queremos apenas um local para descansar, nos sentimos incapazes de enterrar, liberar a identidade – o cadáver que experimentou essa aflição, é como um pesadelo que não cessa. É como o gelo sobre a pele que com o passar do tempo, pode queimar.
Imagem de Wendy Corniquet por Pixabay
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