Confie na bondade que existe em você (Trungpa Rinpoche)

Confie na bondade que existe em você
Tempo estimado de leitura: 5 minutos

“Reconhecendo os problemas e chegando a um acordo com eles é frequentemente a fundação para uma amizade de longo prazo. Tendo incluído essas coisas desde o início, não nos assustaremos mais tarde. Como você já conhece todos os aspectos negativos, você não precisa esconder esse lado da relação. Então, você pode cultivar o outro lado, o lado positivo, também. Esse também é um ótimo caminho de começar a fazer amizade consigo. Do contrário, você pode se surpreender ou se sentir alvo de traição quando descobrir as coisas que tem escondido de você.”

Autor: Trungpa Rinpoche

Tradução livre de Caroline Bertolino


A prática da meditação

Ao invés de tentarmos nos promover ou nos defender, diz Chögyam Trungpa Rinpoche, nós podemos basear as nossas vidas em algo mais poderoso e confiável – a nossa bondade essencial. 

A prática da meditação não é uma abordagem exótica e fora de alcance. É imediata e pessoal, e envolve uma relação íntima conosco. É começar a nos conhecer examinando nosso processo psicológico atual sem nos envergonharmos disso.

Somos frequentemente críticos conosco ao ponto de nos tornarmos nossos próprios inimigos. A meditação é um caminho de encerrar essa luta fazendo amizade conosco. Então, poderemos perceber que não somos tão ruins quanto pensávamos ou disseram de nós.

Se nos rotularmos como casos perdidos ou nos enxergarmos como vilões, não há como usar a nossa própria experiência como base. Se tomarmos a atitude de que tem alguma coisa de errado conosco, devemos constantemente buscar fora de nós por algo melhor do que somos. Essa busca pode continuar indefinidamente, sem cessar.

Em contraste com essa abordagem, a meditação é contatar a nossa situação atual, a raiz e o estado áspero de nossa mente e ser. Não importa o que esteja aí, deveríamos olhar para isso. É similar a construir uma amizade de longo prazo com alguém. Como parte do processo de se tornar amigo(a), você começa a conhecer coisas que não gosta na outra pessoa, e encontra partes da relação que são muito desconfortáveis.

Como anda nossa amizade conosco?

Reconhecendo os problemas e chegando a um acordo com eles é frequentemente a fundação para uma amizade de longo prazo. Tendo incluído essas coisas desde o início, não nos assustaremos mais tarde. Como você já conhece todos os aspectos negativos, você não precisa esconder esse lado da relação.

Então, você pode cultivar o outro lado, o lado positivo, também. Esse também é um ótimo caminho de começar a fazer amizade consigo. Do contrário, você pode se surpreender ou se sentir alvo de traição quando descobrir as coisas que tem escondido de você.

O que quer que exista em nós é uma situação natural. É uma outra dimensão da beleza natural. As pessoas algumas vezes percorrem grandes distâncias para apreciar a natureza, escalar montanhas, ir a um safári ver girafas e leões na África, ou fazer um cruzeiro na Antártica. É muito mais simples e mais imediato apreciar a nossa própria beleza natural. É, na verdade, ainda mais bonita do que a fauna e a flora exóticas, ainda mais fantástica, colorida, dolorida e deliciosa.

Onde os nossos pés descansam?

A meditação é extremamente “pé no chão”, irritantemente pé no chão. Pode também ser exigente. Se você permanecer com ela, irá compreender coisas sobre você e sobre as outras pessoas, e assim ganhará clareza. Se praticar regularmente e seguir essa disciplina, suas experiências não serão necessariamente dramáticas, mas você terá uma sensação de descobrir a si mesmx.

Através da prática de meditação “com os pé no chão” você pode ver as cores da sua própria existência. A terra começa a falar com você ao invés de o céu começar a enviar mensagens, por assim dizer.

Nós frequentemente abordamos a vida como se estivéssemos nos defendendo de um ataque. Muito(a)s de nós, quando estávamos crescendo, fomos frequentemente repreendido(a)s de maneiras que nos fizeram sentir mal conosco. Independente da crítica ter vindo dos nossos pais, de uma professora da escola, ou de outra pessoa, isso reforçou um sentimento de que havia alguma coisa de errada conosco.

A solidão fere?

A crítica frequentemente produziu um sentimento de isolamento, um sentimento de você e eu, separado(a)s por uma grande divisão. Nós aprendemos muitos mecanismos de defesa em uma idade precoce, pensando que uma boa defesa seria a melhor proteção para uma futura reprovação.

Nós continuamos essa abordagem enquanto adulto(a)s. Seja uma confrontação com uma pessoa estranha na rua ou uma argumentação com nosso(a) parceiro(a) na cama, acreditamos que precisamos de boas desculpas para nos explicar e de uma boa lógica para nos defender. Nos comportamos quase como se fôssemos negociadoro(a)s profissionais, nosso(a)s próprio(a)s pequeno(a)s advogado(a)s.

Ter autoestima é pedir para sofrer

Na psicologia ocidental, algumas abordagens ressaltam a importância de reforçar o ego elevando a autoestima. Podemos mal interpretar isso achando que deveríamos nos promover às custas das outras pessoas. Uma pessoa pode ser tornar muito autocentrada com essa atitude. É como se você estivesse dizendo ao mundo “Você não sabe quem eu sou? Eu sou o que eu sou. Se eu sou atacada(o) por isso, é muito ruim. Estou do lado correto”. Você se justifica pelo que está fazendo, como se Deus estivesse do seu lado, ou pelo menos a lei e a ordem estivessem do seu lado.

Talvez devêssemos reexaminar essas premissas para ver o que realmente funciona. Precisamos investigar se é benéfico nos colocar pra cima, especialmente se isso significar colocar as pessoas lá embaixo. Precisamos seriamente questionar o que é prejudicial e o que é benéfico. Em minha própria experiência, percebi que empregando uma atitude autocentrada e estando constantemente na defensiva não são úteis.

A vida é mais aberta para além das expectativas e medos pessoais

Em vez de reforçar nosso senso de eu e nos justificar constantemente, deveríamos basear as nossas vidas em alguma coisa mais poderosa e confiável. Se desenvolvermos uma confiança verdadeira em nós mesmo(a)s, a autodefesa constante não é mais necessária. Para começar, precisamos olhar dentro de nós. Quando olhamos, o que vemos? Pergunte a você: “Há algo valoroso e confiável em mim?”.

Claro que há! Mas é tão simples que tendemos a perder isso ou negligenciar. Quando olhamos dentro de nós, tendemos a nos fixar em nossas neuroses, inquietação e agressão. Ou podemos nos fixar em quão maravilhoso(a)s, realizado(a)s, e invulneráveis nós somos, mas esses sentimentos são geralmente superficiais, mascarando as nossas inseguranças.

Compaixão

Dê uma olhada. Há algo mais, algo maior do que tudo isso. Nós estamos disposto(a)s: a esperar, a sorrir, a sermos decentes. Não deveríamos desperdiçar esse potencial, essa poderosa semente de gentileza. Até mesmo o animal mais vicioso possui uma natural afeição e gentileza pela sua prole.

Esse elemento de gentileza existe em todos os seres. Não precisamos nos embaraçar com isso ou tentar esconder. Não precisamos nos identificar como meninos ou meninas ruins ou heróis ou heroínas. Podemos reconhecer e cultivar a gentileza e, primeiro de tudo, nos tratar de modo mais gentil.

Vale a pena nos apreciarmos, termos afeição por nós, e tomar cuidado de nós mesmo(a)s. Genuinidade, bondade e apreciação são presentes extraordinários. Ultimamente, é onde repousamos a nossa confiança. Essa confiança é tão verdadeira que não precisamos fingir de nenhum modo. Ela é real.

Bondade amorosa

Cada um de nós é capaz de se amar. Nós também somos capazes de nos apaixonar. Somos capazes de beijar as pessoas que amamos. Somos capazes de estender nosso braço para dar as mãos. Podemos oferecer uma refeição a alguém, dando as boas vindas a ele ou ela na mesa, dizendo “Olá. Como você está?” Somos capazes dessas coisas simples. Estamos apresentando tais atos ordinários de bondade por um longo tempo.

Geralmente, não damos muita importância para essa capacidade, mas de algum modo deveríamos. Deveríamos celebrar ou ao menos reconhecer nossa capacidade pelos simples atos de generosidade e gentileza. Eles são a verdadeira coisa, e no fim são muito mais poderosos e transformadores do que a agressão, egomania e ódio.

Quando você se aprecia, você percebe que você não precisa se sentir miserável ou condenado(a). Você também não precisa se colocar para cima artificialmente. Descubra a sua dignidade básica, que vem junto com a gentileza. Você sempre possuiu isso, mas pode nunca ter reconhecido isso antes. Não é necessário ser egocêntrico(a) para se apreciar. Na verdade, você se aprecia mais quando está livre da feiura do egotismo, que na verdade é baseada no ódio por si mesmo(a).

Olhe no espelho. Aprecie-se. Você é belo(a) de uma maneira simples e humilde. Quando escolhe as suas roupas, quando escova o seu cabelo, quando toma banho, você está expressando um elemento de completa e fundamental bondade, vigília e decência. Há uma alternativa ao invés de se sentir condenado(a).

Na verdade, você pode fazer amizade com você.

Adaptado de Mindfulness in Action: Making Friends with Yourself through Meditation and Everyday Awareness, por Chögyam Trungpa, com a permissão de Shambhala Publications.

Que muitos possam se beneficiar!

Autor
Coordenador
Praticante budista e instrutor de meditação. Desde 2011 dedica seu tempo à descoberta do coração desperto (bodicita), a partir dos ensinamentos de Buda e nas instruções práticas de Lama Padma Samten. Casado, pai de 2 filhos, é coordenador da Roda do Darma e tutor no CEBB.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *