Qual o papel dos mantras no budismo? Nesse trecho, o Lama Padma Samten explica de maneira sucinta e direta a importância de recitarmos os mantras aliados as suas respectivas visões de sabedoria. Sem isso, é como tentar tomar um remédio sem ler a bula antes, pode funcionar, mas aquilo tem efeito colateral.
Nota: o mantra da foto de capa é OM MANI PADME HUNG, o mantra da compaixão.
Qual o papel dos mantras?
Lama Padma Samten: Os tibetanos, especialmente dentro do Vajrayana, dizem que deve-se fazer um milhão, duzentos e cinquenta mil operações mentais de um certo tipo para que possamos ultrapassar as limitações que essas operações [mentais] estão propondo, senão a base não muda. Por exemplo, ninguém vê a Mandala sem fazer uma acumulação de um milhão, duzentos e cinquenta mil vezes à visão, ou seja, nós somos introduzidos aquilo, mas para que aquilo se torne real, vemos aquilo e precisamos olhar um milhão, duzentos e cinquenta mil vezes, mas isso não é uma garantia.
Chagdud Rinpoche, por vezes, ele nos situava: “é melhor fazer dez milhões.” O Rinpoche me deu essas práticas, dessa forma. Eu lembro que ele era um bom negociante, uma vez ele disse: ”três milhões de recitações do mantra do Guru.” Não sei o que eu tinha feito de errado! (risos) Isso não é uma punição, na verdade isso é uma forma de treinamento. O Rinpoche disse: “agora faça dez milhões” Eu concordei, não tinha ideia do que era aquilo. O Rinpoche olhou para mim: “não, faça três milhões” Isso pode ser demorado, especialmente se vamos olhar aquilo com consciência, que é o que tem de ser feito.
Porque acumulamos mantras?
Então dentro dessas práticas já está computado que noventa por cento nós vamos perder. Quando temos um mantra, estamos lá recitando com um mala: “OM AH HUM VAJRA GURU PADMA SIDDHI HUNG” podemos estar desperdiçando cem por cento das meditações. Então essa seria uma forma de perder tempo, mas tem bastante, dez milhões de recitações. Lá pelas tantas, a pessoa se pergunta: “o que eu estou fazendo?” A pessoa já recitou cem mil e não aconteceu nada. Por quê? Porque está fazendo tudo errado, está usando a motivação equivocada.
A pessoa tem um oceano de práticas para fazer, e dentro desse oceano de práticas, a pessoa vai se defrontar com todas as flutuações mentais. Já se diz que do mala, tem cento e oito contas, mas só contamos cem ao todo. Por quê? Porque no mínimo com oito a pessoa estava distraída. Agora, é muito otimismo imaginar que com cento e oito, apenas cem eu estava distraído. É mais provável que só façamos oito, ou duas, ou uma conta. Ou então, cada cento e oito contas vale uma.
A sabedoria dos Mantras: Muito além de recitar como um papagaio
Lá pelas tantas a pessoa começa: “OM AH HUM VAJRA GURU PADMA SIDDHI HUNG” e ela nem pisca o olho, ela descobriu alguma coisa ali dentro e aquilo começa a funcionar. Aí se diz, um controle de qualidade: “quando você disser VAJRA, a mente acompanha – visão VAJRA. GURU é visão GURU. PADMA, SIDDHI e HUNG” você diz a sílaba e aquilo aparece, tem que ter essa velocidade. Tem sempre umas coisas impossíveis que eles pedem, e ai a pessoa vai praticando.
A pessoa começa a descobrir que dentro de cada sílaba existe um princípio ativo, e agora a pessoa olha com o olho VAJRA, GURU, PADMA, SIDDHI e HUNG. E depois se faz essa prática novamente. Cada uma dessas sílabas, tem um principio ativo porque ela ativa um tipo de visão: VAJRA – eu olho tudo como sabedoria do espelho. Eu descubro que cada uma delas tem um acionador, um acionamento, eu posso ficar fazendo um treinamento (que seria médio) que é assim – eu começo enfatizando a sílaba VAJRA e sigo com as demais: “OM AH HUM VAJRA GURU PADMA SIDDHI HUNG” eu recito um mala inteiro com base na sílaba VAJRA, e sigo com esse foco nas demais sílabas do mantra, assim eu vou estabilizando a visão.
Eu vou passando uma por uma, e eu vejo perfeitamente que aquilo é acionado. Depois de fazer muitas vezes isso acionado, eu vou descobrir que existe uma naturalidade, existe um acionador disso – essa mente que aciona essas cinco sabedorias, isso é a mente de Guru Rinpoche. Ela é viva, ela viva porque aciona e produz visão, Guru Rinpoche está vivo.
A recitação do mantra do Guru irá nos trazer a visão viva de Guru Rinpoche, Guru Rinpoche está vivo – podemos nos conectar ou não. Aí surge a noção de Guru Yoga, se eu tenho a Guru Yoga com Guru Rinpoche, eu tenho essas cinco sílabas vivas. Se eu não tenho essa visão, não tenho essas sílabas vivas. Agora, se eu não tenho essas sílabas vivas, eu estou fazendo o que não mantendo isso vivo? O que eu estou fazendo? Não estou fazendo nada, estou apenas perdido.
O sorriso liberador da Sabedoria além da sabedoria
Então os seres todos que estão dentro do samsara, nós vamos olhar aquilo como que dentro de uma perfeição, ou seja, a perfeição da mente que vai criando coisas e vai sustentado, e segue presa. Mesmo que o fato seja de que, as pessoas estão com suas visões presas, há uma perfeição. É a perfeição da imperfeição – “OM VAJRASATTVA HUM” recitamos um milhão e duzentos e cinquenta mil vezes. Entenderam? Então já está valendo!
Aqui eu estou tomando esses exemplos, que são do Vajrayana, para olharmos como que fazemos essa prática que é o centro. Se vocês simplesmente recitarem os mantras, pode ser que não se vá a lugar nenhum. Por quê? porque vamos precisar abrir a inteligência correspondente, aí os mantras ganham sentido. Isso também é chamado de transmissão, é necessário termos transmissão. Transmissão é uma palavra-chave dentro do budismo, não é apenas uma palavra “transmissão”, é uma palavra que pertence a tradição budista. Tem também uma outra expressão que é chamada assim – instrução piedosa – isso é muito importante.
O Mantra da Prajnaparamita – uma introdução
Ainda que eu tenha dado um exemplo sobre as cinco sabedorias e o mantra de Guru Rinpoche, eu tomei na verdade isso como exemplo da transição da mente, a mente começa a ver outras coisas. Do mesmo modo, nós vamos fazer acumulação de Prajnaparamita.
Nós vamos desenvolver o olho que vê como que as coisas se criam ilusoriamente diante de nós. Nós vamos precisar de três milhões, dez milhões, um milhão e duzentos e cinquenta, contando por baixo. Também podemos dizer: “OM GATE GATE PARAGATE PARASAMGATE BODHI SVAHA” vocês tentem olhar as coisas com isso, e vocês vão terminar vendo um acionador das coisas que produzem essa visão. Esse acionador é Prajnaparamita. No fim, vocês vão descobrir que Prajnaparamita e Guru Rinpoche é a mesma coisa, é tudo Guru Rinpoche.
Vocês também vão fazer a recitação de Vajrasattva: “OM VAJRASATTVA HUM” a meditação de Vajrasattva é maravilhosa. Depois de vocês olharem Prajnaparamita e as cinco sabedorias, vocês vão olhar Vajrasattva: “OM VAJRASATTVA SAMAYAM ANUPĀLAYA VAJRASATTVA TVENO PATIŞŢHA DŖIDHO ME BHAVA SUTOŞYO ME BHAVA SUPOŞYO ME BHAVA …” e aquilo segue com cem sílabas. Esse é um mantra complicado, mas aí tem essa versão: “OM VAJRASATTVA HUM” mas essencialmente o ponto é a visão.
Aí vocês olhem esse mundo complexo, degradado – vocês vão gerar um sorriso. Vocês vão vendo a gênese dessas aparências todas, nas mentes das pessoas todas, como é que esse mundo surge e as mentes também, isso nos pássaros, nas plantas. Como que esses condicionamentos surgem operando por base, gerando um terreno aparentemente sólido – em meio a impermanência, porque está tudo girando – mas surge essa coisa milagrosa, que brota da mente livre que vai gerando isso e não obtém resultados, não obtém resultados fixos dentro do samsara.