Mais feijão com arroz para aproveitar os ensinamentos

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É possível construir uma casa começando pelo telhado?

Na última quinta-feira (30/06), estava assistindo à palestra do Mingyur Rinpoche sobre o poder das deidades. O encontro aconteceu no Odsal Ling, SP. Maravilhoso!

Durante o encontro, flagrei-me divagando em muitos pensamentos, dentre estes, um me chamou mais a atenção: “O Chagdud Rinpoche não está vivo para presenciar o crescimento do próprio centro que fundou e seu benefício. Que espantoso! Esse é o papel deles, é oferecer sem nada em troca. ”

A ruminação continuou e surgiu o lampejo de que vários seres vagueiam pelo samsara. Muitos, sem nunca terem ouvido falar do Buda histórico, Mingyur Rinpoche, Chagdud Rinpoche, Tulku Urgyen, Tenzin Palmo, e assim por diante.

Pior até: existem pessoas que sabem da existência desses seres de sabedoria, mas não têm um critério, um eixo para aplicar os ensinamentos em suas vidas. Assim, criamos um folclore sobre como o budismo pode nos ajudar.

Esses enganos nos afastam da essência dos ensinamentos: praticar na vida cotidiana. Nos distanciamos da Verdade e misturamos os textos com nossas neuroses habituais. Isso é tipo tomar um remédio por vontade própria e ainda por cima, sem ler a bula com cuidado.

Na ausência de uma prática formal, de um contato com uma Sanga, de uma orientação direta com um professor do Darma, deixamos de fazer o nosso feijão com arroz na meditação e nos ensinamentos. Como poderemos aproveitar a vinda desses grandes seres de sabedoria sem uma base apropriada para ouvi-los?

É fácil cairmos no engano de que os mestres veem para cá para nos salvar ou que servem para sorrirmos mais e ficar bem nas selfies. Nós até nos acharmos mais abençoados, pelo menos nas redes sociais, com a vida deles.

Na vida real, estamos longe de uma ação coerente com a nossa prática.

Quando deixamos de praticar regularmente, estamos nos ausentando de estarmos presentes, ausentado de estarmos livres dos padrões, das dúvidas e perguntas, como podemos aprofundar sem perguntar?

Sem praticar, nós desgastamos a energia vital dos grandes mestres, pois um professor precisa de alunos e perguntas para seguir. De nada adianta trazermos um professor para nos oferecer esclarecimento se não tivermos o que precisa ser esclarecido, oras!

Além disso, na geração seguinte, os ensinamentos serão desgastados pela confusão e o engano. Pasmem, isso nos levará ao medo de praticar o Darma, pois faltam praticantes para dar vida, brilho aos textos. O intelecto é impermanente e não é fonte de refúgio.

Você quer começar pelo topo, pelo telhado, chegar antes, mas sem base para tal? Estamos apenas focando em nós mesmos ao fazer isso. Esquecemos da nossa motivação Bodicita, de trilhar o caminho. Pular etapas nos fará cansar e até desistir, pois, estamos camuflando o nosso avanço real com uma fantasia sobre como gostaríamos que fosse caminho .

Muitas pessoas, principalmente os soberbos e ingênuos, querem pular etapas. Ouvem bastante sobre Dzogchen, Mahamudra, Tatagatagargabha e assim querem pular etapas. Ficam presos no maravilhamento, de encontrar grandes seres de sabedoria e esquecem de fazer o básico: começar a arar a terra.

Todos os seres possuem a natureza búdica e portanto, possuem a semente potencial para iluminação. Porém, como é possível uma semente crescer e frutificar, sem uma terra fértil, água de qualidade, sol na medida certa e adubo?

É impossível construir uma casa a partir do teto. Precisamos começar pela base.

Comecemos pelos ensinamentos fundamentais — As 4 Nobres Verdades e o Caminho de 8 Passos, ou o próprio Ngondro. Fundamentais significa que esse ensinamento é a medula óssea, é a fundação do caminho e portanto, o fim também.

Dentre as possibilidades de ensinamentos, os fundamentos são a base para seguir, pois, nos permite entrar nos labirintos da mente com um fio seguro, um fio de Ariadne para nos guiar, sem medo.

Você poderia afirmar que para meditar, não precisa estudar ou seguir um ser de sabedoria — que nada mais é do que um espelho límpido que podemos olhar para nos ver além das nossas neuroses. Mas, como saber se você está afundando mais e mais na lama, no lodo do samsara?

A vida cotidiana e a vida contemplativa são inseparáveis. Que precioso encontrarmos com seres que nos fazem lembrar disso! Não é sobre bajulação, é sobre ter boas referências além da soberba e das ingenuidades usuais que nos acostumamos a nos descrever.

Autor
Coordenador
Praticante budista e instrutor de meditação. Desde 2011 dedica seu tempo à descoberta do coração desperto (bodicita), a partir dos ensinamentos de Buda e nas instruções práticas de Lama Padma Samten. Casado, pai de 2 filhos, é coordenador da Roda do Darma e tutor no CEBB.

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