Nós não damos atenção suficiente para o nosso mundo interno.
Nós nos ocupamos em ausências: o passado, o futuro, abstrações, idéias, julgamentos e assim por diante.
Ficamos enroscados em urgências e problemas que precisam ser resolvidos.
Uma mente viciada em procurar respostas e felicidade do lado de fora, está fadada ao sofrimento, a curto, médio ou longo prazo. Colhemos desgaste e insegurança apenas.
Sem uma atenção viva a respeito do corpo, energia e mente, deixamos de lado os recursos disponíveis para nos adequar a realidade tal como ela.
Porém, não dá pra ignorar a realidade por muito tempo.
Ela grita, bate, põe a gente contra a parede. Quando deixamos de lado o fato de que viver no mundo a partir de nossos desejos e apegos é algo insustentável, isso culmina na natural impermanência das coisas, paramos e respiramos.
Viver a vida sem a compressão da própria mente é tatear a realidade no escuro, justo porque a pessoa se vê como se vê, se descreve como se descreve.
Quem não olha para dentro, não se conhece em profundidade.
Assim se move apenas por uma falsa sensação de controle e segurança a partir dos sentidos físicos, com coisas, situações e lugares que não duram muito tempo. Estamos atados em uma camisa de força diante do que surge aos olhos, ouvidos, nariz, língua e contato do corpo.
Ignorar quem se é, de fato, significa ter dificuldades de se aconchegar na vida, é não ter espaço interno, abertura, nem interesse e atenção para com os outros. Surge uma preguiça para olhar para dentro, olhar para a realidade mais profunda das aparências.
Carrossel emocional
Assim, surgimos no mundo com uma visão utilitarista: “com isso e aquilo, então eu posso usar (…) ou com isso e aquilo posso alcançar tal (…), assim a minha vida melhora ou piora”.
Também olhamos com uma visão de recurso: hídricos, energéticos, humanos. Essa parte de recursos humanos está para além do RH, né? É só olhar para as relações amorosas ao redor.
É como se fossemos vítimas de uma normalidade que tanto almejamos, somos da normose, como diz o Pierre Weil. Desse modo, adiamos a transformação e ignoramos a impermanência.
A sabedoria do mundo interno na gestão da vida
A experiência de um ser humano pode ser apreciada como externa ou interna.
No aspecto externo, nós depositamos nosso tempo e energia em habilidades e estratégias sobre como gerir coisas, situações, objetos, pessoas, e assim por diante. Olhares tensos, testas enrugadas, respiração fora do compasso.
Já a dimensão interna, o aspecto sutil, diz respeito a entendermos a interdependência, ou seja, você e eu temos um mundo interno?
Olhe ao redor e sem pressa.
A vida se resume a comer, dormir, defecar, reclamar de como deveria ser ou ter sido, envelhecer e morrer? Se resume a busca pelo poder, hierarquias e cargos?
E o que se passa atrás dos olhos? Como você tem reagido a isso… até agora?
Por exemplo: vamos supor que você tem um copo de água à sua frente.
Você tem consciência se tem agido ou reagido a essa simples situação?
- Maravilhamento – Essa água foi abençoada pelo Dalai Lama…
- Competitividade – Essa água aí é da Coca-cola. A outra é da Pepsi. Qual a melhor?
- Apego – Esse é o meu copo, o meu. E ele quebra? Não quero nem pensar nisso.
- Preguiça – Uma pilha de copos para lavar
- Carência – O copo está meio vazio.
- Raiva – Tem veneno nesse copo. Essa água está batizada…
Logo, o copo de vidro, que falamos água em um copo americano daqueles de barzinho, é o mesmo. O que muda?
De fato, ter tecnologias, habilidades para fazer as coisas funcionarem. Porém, precisamos entender o papel da interdependência e isso não se encaixa em desempenhos e métricas de sucesso, as pessoas não cabem dentro de uma função e métricas. É uma agressividade pensar assim.
Uma das contribuições mais importantes do budismo é a questão de como a mente opera e se engana.
A mente vê a mente
Avidya em sânscrito significa ignorância, no sentido de que a mente é capaz de se enganar e a partir do aspecto criativo, seguir em bolhas de realidade, dando solidez ao que vemos. Assim nos enganamos, e sem lucidez, sofremos.
Olhar para dentro. Essa contemplação e observação do mundo interno, é o próprio caminho da lucidez.
Há um termo chave aqui: a compreensão da coemergência, ou seja, as realidades do lado de fora surgem inseparáveis das estruturas que temos dentro. Nós precisamos explicitar os pressupostos, os horizontes internos.
Quando não conseguimos falar dessa dimensão interna, nós temos uma ingenuidade sobre a dimensão da vida, da nossa experiência. Cairemos numa realidade ambígua diante de olhos, ouvidos, nariz, língua, tato e mente, uma realidade agridoce como dizem os mestres.
Liberdades
O nosso mundo interno e o externo são inseparáveis, um depende do outro.
É essa compressão que nos permite reconhecer a nossa condição natural de paz e nos ajuda a remover os obstáculos – que são ditos virem de fora – e que justificam a perda da experiência natural de paz.
Sem essa compreensão do mundo interno, nós vamos cair em equívocos e nos sentiremos miseráveis e dependentes.
O nosso esforço é sustentar as coisas do lado de fora para que elas sustentem os desejos e apegos e possamos colher o que desejamos e evitar o que nos frustra.
Dimensão interna
Conscientes ou não, temos posicionamentos dentro de nós.
Quando estamos operando por automatismos, por exemplo, nós acreditamos que a nossa felicidade depende de como as coisas operam em volta.
Nem desconfiamos que temos autonomia e observação sobre o mundo interno.
Ficamos deslocados da realidade.
Mesmo que, por exemplo, a pessoa tenha um planejamento, surgem automatismos e são esses impulsos contraditórios que dirigem a vida da pessoa.
Achamos que somos responsáveis por nossas escolhas, sobre como viver a vida, mas sem entendermos bem o mundo interno, somos iguais ao Titanic em alto mar.
As pessoas que seguem suas vidas a partir de um modo de ser automático, buscam brilho nos olhos, buscam felicidade no lado de fora.
Uma alternativa, é buscar a meditação.
Meditar para transformar
Nós então nos sentamos em silêncio na meditação.
Descobrimos que por trás das nossas ações, há reflexos daquilo quando sentamos em silêncio.
É prático: se há ações baseadas em compaixão e sabedoria, estas desaparecem durante a prática. Por outro lado, se fizermos ações negativas, temos conflito, tensão e aflição, elas nos engancham. É tipo ser fisgado por um anzol em alto mar.
Não tem problema surgirem pensamentos durante a prática, no entanto, a depender do conteúdo, eles podem nos arrastar.
Entender essa conexão entre o mundo interno e externo, no caso, as ações de corpo, fala, mente e paisagem, é crucial.
Em uma primeira análise, nós examinamos e descobrimos o mundo interno.
E de agora em diante, vamos analisar com cuidado a liberdade diante de cada estrutura de aprisionamento e sofrimento.
Mais do que apenas anotar e entender, é começar a observar isso de dentro.
Desse modo podemos trabalhar com questões mais profundas como a questão da identidade, das crises, e assim por diante.
Nós podemos nos sentir vivos a partir dessa dimensão sutil e silenciosa da mente.
Redescobrir essa dimensão de sabedoria e compaixão e gerir uma vida com sentido: amar, servir e ajudar sem débito ou crédito.
É fazer o que precisa ser feito.