Os 3 defeitos do pote: 3 formas erradas de estudar e praticar o Darma

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Como posicionamos nossa mente e obtemos benefícios diretos com os estudos e as práticas do Darma?

A raiz dos nossos problemas é o modo como reagimos aos eventos mentais. Sem clareza a respeito e devido à ignorância, não ousamos desafiar nossos hábitos arraigados impostos por venenos mentais e emoções perturbadoras.

Desse modo, é improvável darmos abertura, espaço, dentro de nós. Estar receptivos aos ensinamentos é discernir sintomas e atitudes que nos deixam anestesiados, insensíveis à realidade.

Ouvir ou ler o Darma já tem um benefício por si só. Ainda assim, a menos que você internalize o que leu ou ouviu, estará perdendo tempo no caminho. Precisamos contrabalancear as emoções negativas e dar espaço, nutrir e ampliar nossas qualidades positivas.

“Ouvir” significa a audição interna, a sabedoria que nos habita. O silêncio vivo, além do ruído interno, da confusão e do engano sobre quem somos é que nos faz ouvir de verdade. Essa é a descoberta da meditação.

É necessário ouvir de dentro, tornar-se a experiência dos ensinamentos, ver os olhos brilharem a partir do Darma.

Quais os benefícios de ouvir, estudar e contemplar o Darma?

A Venerável Thubten Chodron explica:

No início, é muito bom pensar sobre os benefícios de ouvir os ensinamentos para que nos sintamos encorajados a praticar. Os benefícios são muitos.

Um deles é que, se quisermos meditar, devemos saber no que meditar. Para saber no que meditar, temos que ouvir ensinamentos.

Se ninguém nos explicar como meditar e nós inventarmos nosso próprio caminho, teremos um grande problema. Por quê? Já há muito tempo que inventamos nosso próprio caminho no samsara!

Temos que aprender os ensinamentos para saber como meditar e como distinguir entre pensamentos e emoções construtivas e destrutivas. Temos que ouvir os ensinamentos para sabermos como neutralizar nossas atitudes perturbadoras e como aumentar nossas boas qualidades.

Fazer amizade com nossa companheira mais fiel, a mente, é o maior investimento que podemos fazer nesta vida. 

Praticar o Darma é domar a mente, tornar-se mais íntimo dela. É como se você se percebesse como seu melhor amigo, e a mente como sua companheira mais fiel. Quer você goste disso ou não.

Na história do budismo tibetano, durante a invasão chinesa, muitos praticantes continuaram a meditar mesmo sem o contato com os textos.

Acontece que, de tanto ouvirem o Darma, até em situações de desconforto eles continuaram a fazer práticas, pois os ensinamentos não eram apenas uma lembrança ou memória.

Fazer amizade com o Darma significa que, na alegria ou tristeza, ou mesmo em situações extremas como a hora da morte, por exemplo, saberemos como trabalhar a mente e direcioná-la ao Darma.

Atitude radical

Como praticantes, a atitude adequada faz com que “absorvamos” os ensinamentos mais rapidamente. Assim, incorporar a aprendizagem na prática diária é nos encontrarmos com o Darma a partir da nossa própria experiência.

Estudar dessa forma desemboca na contemplação: vigiar as ações negativas de corpo, fala e mente, e saber praticar as ações transcendentes como compaixão e amor com o mesmo corpo, a fala e a mente.

Entender os ingredientes de uma macarronada não mata a fome de ninguém. É preciso colocá-los para cozinhar e degustar do prato para saber o que é a experiência de macarronada e sua digestão.

Uma vez que tenhamos ouvido ou lido os ensinamentos, precisamos colocá-los em prática. O próprio Buda Shakyamuni diz:

Eu lhes mostrei os métodos

Que levam a liberação

Mas vocês devem saber

Que a liberação depende de vocês

No que diz respeito a internalizar os ensinamentos como uma experiência viva, isso significa entendermos a importância de um referencial estável diante das flutuações internas.

É inútil estar presente no corpo enquanto se deixa a mente vaguear em busca de mais e mais explicações neuróticas e enganosas. Por isso, é imprescindível praticar meditação, como a shamata, por exemplo, para podermos avançar no caminho.

Os obstáculos possuem suas raízes nas 6 emoções perturbadoras.

Alguns são mais evidentes. E, de fato, é muito raro que uma pessoa ouça os ensinamentos e faça o seu coração se mover a partir deles com uma motivação perfeita.


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A analogia dos 3 defeitos do pote

Temos a analogia dos chamados 3 defeitos do pote ou vaso. Cada defeito simboliza uma atitude duvidosa ou reação exagerada para adiarmos o avanço na prática do Darma.

Nós, aspirantes ao coração desperto, somos um pote — em corpo, fala e mente. Podemos escolher qual conteúdo queremos transportar no pote. Mas primeiro precisamos examinar com cuidado a atitude atual do pote.

Em Palavras do Meu Professor Perfeito, Patrul Rinpoche diz que, quando não escutamos, somos como um pote emborcado. Quando não conseguimos reter o que ouvimos, somos como um pote furado. Já quando misturamos emoções distorcidas com o que lemos / ouvimos, somos como um pote envenenado.

Dessa maneira, os 3 defeitos do pote são:

  1. O pote emborcado. Também descrito como “pote cheio”.
  2. O pote rachado. Igualmente descrito como “pote com um buraco no fundo”.
  3. O pote envenenado

1) O pote emborcado

  • Com o pote emborcado, estamos insensíveis ao Darma.
  • Ouvimos os ensinamentos, mas não os absorvemos.
  • Estamos com a mente ocupada e com muitas preocupações.
  • Aqui, somos resistentes aos ensinamentos que entrariam no pote.
  • Embora estejamos fisicamente presentes, é como se os ensinamentos estivessem sendo pronunciados em uma língua estrangeira. 
  • É como se estivéssemos fisicamente ali, ouvindo os ensinamentos, mas permanecendo sonâmbulos no Darma.
  • É como tentar encher uma vasilha com água, mas ela está de cabeça para baixo.
  • É como ler livros do Darma enquanto assistimos nossa série favorita.
  • Sua origem está no orgulho ou na competitividade. Para superar esse obstáculo, desenvolvemos humildade e apreço pela tradição da linhagem.

2) O pote rachado/ furado / com vazamento

  • O ensinamento entra no pote, mas não permanece, pois este tem rachaduras. Até temos um progresso, mas ele é lento.
  • A mente aqui é como uma peneira: Aprendemos, mas logo em seguida a experiência escoa. Seja qual for a quantidade de néctar colocada no pote, vaza.
  • Não conseguimos reter os ensinamentos por muito tempo e portanto, não dá tempo de assimilá-los.
  • Fixados aos referenciais da roda da vida, nossa motivação está equivocada. É improvável colocar os ensinamentos em prática ou assimilá-los. Dessa forma, a liberação do samsara está em segundo plano. Isso se dá pelo mix das 6 emoções perturbadoras.
  • Sem o pote rachado, já estaríamos avançando na prática diária.
  • Não conseguimos aprofundar nos ensinamentos devido à desatenção e ao esquecimento dos ensinamentos.
  • Por exemplo, você terminou de ler um livro do Darma. Se eu lhe perguntar os fundamentos de cada capítulo, você não lembra e nem consegue detalhá-los.
  • Nesse ponto, fazer anotações em cadernos ajuda, e muito! Dessa forma, podemos ancorar a mente mais rapidamente aos ensinamentos quando houver dispersão mental.
  • Destacar os termos gerais e pontos de aprendizado ajuda a lidar com o defeito do pote rachado. Assim, quando sentamos para contemplar e meditar, já sabemos o ponto em que estamos.

3) O pote envenenado

  • Esse é o mais grave. Como o pote está envenenado, tudo que é depositado nele se corrompe, e se torna contaminado com as emoções perturbadoras.
  • O pote não está nem furado e nem emborcado. Porém, está com sujeira e fuligem dentro: apego, aversão e ignorância.
  • Conseguimos lembrar os ensinamentos. Mas, como a motivação é equivocada, temos poluição na prática do Darma.
  • Posso ensinar o Darma (sem praticar o que falo) e as pessoas vão pensar que sou alguém maravilhoso! Embora seja meritório ensinar o Darma para outras pessoas, a nossa motivação deve ser transformar a nossa mente, antes de qualquer ação mais ampla.
  • O outro extremo é receber os ensinamentos apenas para darmos opiniões e outros pontos de vista. Essa não é a melhor motivação para praticar. Precisamos dar espaço e internalizar os ensinamentos para mudar a nossa mente.
  • Não conseguimos avançar, pois tendemos a dar o nosso ponto de vista equivocado e justificá-lo com o Darma como se ele fosse certo e estivesse de acordo com os ensinamentos.

O Darma não é apenas mais uma informação a respeito das coisas. É a descrição da realidade como ela é, é sobre quem somos em essência. Precisamos degustar o sabor dos ensinamentos para, assim, transformar a nossa mente. Em seguida, oferecemos cuidado e destemor aos outros.

Pema Chodron, em Sem tempo a perder, resume essas 3 atitudes da seguinte forma:

  1. O pote que está cheio até a borda é uma mente repleta de opiniões e preconceitos. Já sabemos tudo. Temos tantas ideias fixas que nada de novo pode nos afetar ou fazer com que questionemos nossas suposições.
  2. O pote com veneno é uma mente tão cínica e crítica que tudo é envenenado por essa aspereza. Não se permite abertura ou disposição para explorar os ensinamentos ou qualquer outra coisa que desafie sua “postura correta”.
  3. O pote com um buraco é uma mente distraída: nosso corpo está presente, mas estamos perdidos em pensamentos. Estamos tão ocupados pensando nas férias dos nossos sonhos ou no que temos para o jantar que ficamos completamente surdos aos ensinamentos.

Como reverter os 3 defeitos do pote na prática?

Vamos praticar. Os ensinamentos dos 3 defeitos do pote são aplicados nos exemplos abaixo. Vamos lá?

1) Diminuição do ruído mental e aumento da motivação

Estamos muito ocupados? Ocupar-se é posicionar a mente e ser preenchido pelo horizonte da bolha. A distração é o nosso maior desafio nesse primeiro momento. Mas, se contemplarmos a motivação e a orientarmos na direção correta, tudo vai mudar.

Com gentileza, relembramos a motivação correta. Abraçamos os hábitos nocivos e os padrões habituais. A mudança interna surge com shamata, ensinamentos e meditação como a do Pensar, Contemplar e Repousar (PCR).

O cansaço de uma vida turbulenta nos convida a sentar para meditar. Podemos até nos assustar com a quantidade de pensamentos e emoções oscilantes.

Desse modo, em vez de sentarmos para ler um livro do Darma ou ouvir o ensinamento sem profundidade, sem presença, estaremos ali por completo. Não estaremos saltando de uma bolha para outra, feito quando estamos entediados mudando de perfil em perfil no Instagram.

2) Mais atenção e menos esforço na meditação

O avanço é gradual. Você já consegue ser atento. Caso contrário, não conseguiria escovar os dentes nem amarrar o cadarço dos seus sapatos. Nem conseguiria mandar uma mensagem no seu Whatsapp. Tampouco conseguiria colocar o seu jantar no microondas. Acontece que essa é uma atenção a curto alcance e sua mente ainda está neurótica.

Manter a meditação e a contemplação da motivação amplia o seu foco e a absorção dos ensinamentos. É como entender o processo de digestão dos alimentos e como seu corpo funciona, assim como seu metabolismo com respeito a um determinado alimento.

3) Não seja trapaceiro com você

Estudar ou ouvir os ensinamentos do Darma é dar folga ao samsara, isso inclui a Netflix, Youtube e seu smartphone. Você não precisa deles para meditar. Permita-se não ser miserável e deixar sua mente de João teimoso de lado. Observe: parece que quando olhamos para o smartphone, por exemplo, ele é quem determina o que vamos fazer no próximo instante. Diante do que vimos, qual seria esse pote?

Referências

Créditos da imagem: Lionel Smit



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Autor
Coordenador
Praticante budista e instrutor de meditação. Desde 2011 dedica seu tempo à descoberta do coração desperto (bodicita), a partir dos ensinamentos de Buda e nas instruções práticas de Lama Padma Samten. Casado, pai de 2 filhos, é coordenador da Roda do Darma e tutor no CEBB.

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