Quando entramos nos automatismos das bolhas, na negatividade, ficamos indispostos a abrir nosso coração nas relações. Uma das vias mais rápidas de reverter esse processo, é reconhecer a mente criadora das virtudes e desvirtudes nas nossas vidas. As quatro qualidades incomensuráveis estão disponíveis no caminho do treinamento da mente e nos abrem o acesso de volta à lucidez. São elas – compaixão, amor, alegria e equanimidade.
Em todos os nossos atos – seja em corpo, fala e mente – buscamos a felicidade. Ao estreitar o nosso foco em nós mesmos, essa suposta felicidade nos torna indiferentes aos outros ao nosso redor e, portanto, essa é uma aspiração muito pequena. Por exemplo, a alegria incomensurável não surge de uma situação externa, por exagero ou controle: se eu ganho aumento no salário, eu sorrio. Do contrário, fico triste.
Felicidade é…
Quando você está torcendo apenas pela sua própria felicidade, esse é um sintoma profundo de desgaste e solidão. Por uma distração mental, um descuido, nós mergulhamos nas seis emoções perturbadoras, e podemos achar, por exemplo, que a grama do vizinho está mais verde ou que ele tem um automóvel mais robusto que o nosso. Assim, vamos criando o hábito de reativar a inveja, mesmo com coisas mais simples e banais.
Bom, pode ser que o carro do vizinho seja melhor, mas tem essa inveja gritante, segue nas outras áreas da sua vida. Já percebeu isso? É sempre uma postura de mendigo! A alegria aqui seria ter um carro melhor. Ora, isso funciona, mas em última análise, é algo superficial, frívolo, geralmente está ligado a algum tipo de prazer , desejo e apego, e portanto é volátil.
Alegria incomensurável e a alegria “fogo de palha”
A alegria comum tem como composto químico uma mistura de êxtase e frustração. Quando você se alegra pelas conquistas, sonhos, ideias, do outros verdadeiramente, você cria um campo de virtude. É melhor se dar conta de que toda felicidade temporária está sujeita ao colapso.
A alegria incomensurável, a atitude de nos alegrarmos com a felicidade dos outros, é uma sensação muito mais abrangente. Veja: você está se alegrando em conexão com as pessoas, com a felicidade daqueles ao seu redor. Seu pulmão se preenche por isso e surgem sorrisos verdadeiros.
Observe o que acontece quando você está disponível para ver o outro crescer na saúde, nos relacionamentos, e principalmente, no avanço no treinamento da mente. Nós até podemos ter um sorriso estampado no rosto, de orelha a orelha, e nos descrevemos como “felizes”. Mas, quando essa suposta felicidade, está indiferente à dos outros, ela é algo menor, por isso surge essa falta interior.
Alegria como uma ferramenta de transformação
É crucial descobrirmos a alegria incomensurável como uma ferramenta de transformação ao nosso alcance. Estamos um pouco medíocres de alegria verdadeira, uma alegria digamos, abundante. É tanto que se alguém se alegra conosco, podemos achar que a outra pessoa está com segundas intenções.
Não estamos fazendo vista grossa para as ações negativas (matar, roubar, mentir, e assim por diante). Você deveria parar agora, meditar um pouco e, por experimentação, constatar a fixação nas bolhas, como suportes à negatividade. Você verá como nossos corações se blindam em diversas situações. A pergunta natural será – como fazer diferente?
Nós criamos virtudes e desvirtudes com a mente. Nós nos distanciamos tanto das quatro incomensuráveis que acabamos esquecendo que momentos curtos e breves de alegria passam despercebidos durante o dia, o que realmente importa, surge como uma cortesia, um posso ajudar? Quer um cafézinho? Posso te ligar de que horas? Ter interesse sem barganha. É muito diferente de uma alegria tóxica onde algumas pessoas se acham espertas demais e abusam do sarcasmo, insulto e calúnia.
Alegria incomensurável como um antídoto para inveja
A alegria incomensurável também é um poderoso antídoto para inveja pois como estamos focando na alegria e crescimento do outro, não há espaço para perguntas infantis como: “porque eles conseguem isso e aquilo, e eu não?” Em vez disso, aspiramos que o outro possa verdadeiramente encontrar a felicidade. E, se depender de nós, faremos tudo que estiver ao nosso alcance, para que isso aconteça.
Ainda sobre o tema da alegria incomensurável, trago algumas citações de grandes mestres da tradição:
Mingyur Rinpoche afirma:
Em The Path of Purification, é dito que o inimigo distante da alegria é a aversão e o tédio. Acredito que estes são parentes próximos do pessimismo e do desespero.
Em meditando a vida, Padma Samten diz:
“A alegria é a terceira qualidade. É a capacidade de se alegrar com as alegrias e vitórias dos outros, pequenas ou grandes. É um poderoso antídoto contra a inveja.”
E por fim, O Lama Alan Wallace explica a união de meditação e as quatro incomensuráveis:
A causa imediata da alegria empática é simplesmente a consciência da virtude e da alegria de outras pessoas. Portanto, essa prática é principalmente aprender a prestar atenção. Se realmente estamos atentos ao sofrimento de outras pessoas, a compaixão surge naturalmente. E, se prestamos atenção à felicidade e ao sucesso, alegria empática é uma resposta natural.
Quanto mais estivermos atentos as outras pessoas, será natural surgir compaixão, amor,alegria e equanimidade. Por isso, alinhamos o foco da mente com shamata, e surge concentração na prática de meditação. Em seguida, com as qualidades que abrem o coração, nos alegramos em oferecer compaixão e amor nas diversas relações. Isso inclui a maneira como a gente se relaciona conosco e com os outros.
Ouça agora o podcast “Além do pessimismo e do medo | alegria incomensurável”