Qual a importância de um professor do Darma?

a importância de um professor do Darma
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No Darma, o professor pode ser comparado a um guia que percorreu o caminho. Dentro do refúgio, temos o Buda, o Darma e a Sanga. O professor seria tipo um apoio para sanar nossas dúvidas e obstáculos eventuais em relação a estabilização desse refúgio. 

Como carecemos da presença do próprio fundador do budismo, o Buda Sakyamuni, a presença do professor como alguém em carne e osso nos inspira confiança e perseverança no caminho. “Se ele pode, nós também podemos.”

É simples. 

Antes de meditar, acerte o fermento

Lama Padma Samten, meu mestre, costuma contar a história de um jovem padeiro que está aprendendo a arte de fazer pão. Suas primeiras tentativas são um fracasso. Apesar do aprendiz ser muito decidido e determinado no que faz, há uma lacuna em sua receita. 

Um belo dia, seu pai, o dono do estabelecimento e padeiro “oficial” da região, olha para o projeto de pão do filho, e faz uma cara de que está faltando alguma coisa, mas segue sem opinar a respeito. Ele deseja que o filho melhore seu o aprendizado, no seu próprio ritmo. 

O garoto segue, mais uma vez e sem sucesso. Rosto desanimado, olhos cabisbaixos, sensação de, querer partir e ir fazer outra coisa. Então, ele se dá conta de que, sozinho, está difícil avançar. Relembra do velho pai e leva uma amostra do seu pão sabor “borracha de pneu” para seu patriarca experimentar. 

O pai, muito experiente no assunto, apenas comenta: “Qual fermento está utilizando? Colocou quantos litros de água? Quanto de trigo você adicionou? Há quanto tempo está deixando no forno, assando?“

O garoto faz uma cara de admirado e responde: “Ah, era para colocar fermento?” Se ele tivesse persistido sozinho, achando que porque tem a receita, aquilo seria fácil, ele demoraria muito mais tempo para chegar ao resultado desejado. 

O que esperar de um professor?

Um professor autêntico deseja única e exclusivamente a nossa iluminação. E para tanto, isso exige uma certa receptividade de nossa parte, de acordo com os veículos do Darma – yana em sânscrito – escolhido por nós. É recomendável olharmos também nossas expectativas e projeções a respeito do que seria um “professor ideal”. 

Trungpa Rinpoche ilustra nossa relação com o professor como uma figura paterna, um amigo do Darma ou um mestre. É como as fases de crescimento – por um tempo já fomos crianças, depois adolescentes, adultos e por fim, entramos na terceira idade. 

Um sábio pai ou uma sábia mãe.

Chogyam Trungpa considera essa etapa da busca por uma figura paterna como um certo tipo de protecionismo, igual ao filho projetando o super-papai ou mamãe. Estamos sonhando em sermos bons malabaristas, digamos assim, a partir dos ensinamentos.

Aqui, precisamos olhar com cuidado os ensinamentos ditos como o “ABC do alfabeto do Darma”, olhamos sobre a repercussão do carma em nossas vidas. 

Há uma faísca de confiança básica, crescente que tomará uma chama, acesa, se manterá, isso é confiar na visão, no Darma. 

Por exemplo, nessa etapa, é muito apropriado olharmos a primeira nobre verdade, a comprovação da experiência de Dukha. Olhamos todas as situações e verificamos como elas estão permeadas pela transmigração, um tipo de ação reativa, sempre presente nas identidades. 

Quando a insatisfatoriedade aparece, surge uma repulsa a olhar mais de perto a própria natureza do sofrimento, pois devido a ignorância (avidya) retroalimentamos esse processo. Assim, seguimos em ciclos de felicidade/tristeza, bom/mau, alegria/aborrecimentos. 

Na mesma intensidade que desejamos aquilo de maneira apegada, nós vamos obter uma experiência de sofrimento correspondente. Aqui, percebemos que a vida na experiência de samsara é agridoce. 

Um passeio por Dukha

O professor ajuda o aluno a tomar as situações como o próprio aprendizado, para poder ver aquilo mais de perto, para entender a situação como Dukha. Quando percebemos a primeira nobre verdade aqui, teremos a confiança de apreciá-la mais e mais.

Uma vantagem de se perceber isso é a falta de iniciativa em tentar lutar com o sofrimento quando ele aparece. Apenas estamos ali, presentes e temos sabedoria para lidar com a situação. 

A primeira nobre verdade tira o senso de autoimportância das identidades e nos reconecta. Precisamos recomeçar no caminho com os pés no chão, tocar a realidade com os pés descalços. Nas bolhas, apenas seguimos sem um senso de gravidade, apenas flutuamos por aí, desnorteados.

O amigo espiritual

Enquanto que na abordagem anterior, aspiramos alguém que cuide de nós, que nos ajude a calçar as meias e os sapatos, escovar os dentes, recuperar a nossa dignidade, digamos assim. Na abordagem Mahayana, nos tornamos mais atentos e conscientes sobre as ações de corpo, fala e mente. Suas repercussões tanto para nós quanto para os outros se tornam mais evidentes. 

A maturação desse processo vem pelo reconhecimento das quatro nobres verdades. Nossas dúvidas sobre a compaixão se foram, é óbvio, é inevitável! Uma hora ou outra, os seres atingirão a iluminação. É apenas uma questão de tempo. 

Aqui, olhamos o professor como alguém que chegou antes, entendeu o caminho e nos ajudará a andar no Mahayana, ou seja, oferecemos ajuda, algum nível de simpatia e amorosidade para com os outros. 

Esse amadurecimento vem como a ação das quatro qualidades incomensuráveis e seis perfeições como inteligência de conexão disponíveis. 

O professor como mestre aparente em todas as situações

Nessa última etapa, o professor é uma mistura mais refinada do amigo e um sábio. Na verdade, nessa última fase, o professor é comparado a um samurai, tanto em sua ação quanto sua quietude. Há uma dança mútua: a única aspiração real do professor é a de que o aluno possa olhar sem artimanhas para seus obstáculos e com isso, avançar. 

Começa-se a olhar o destemor, por se colocar em marcha a partir do Darma. Nesse ponto não há retorno para além da fé e devoção, no sentido de que não queremos mais escapar das situações. Apenas desfrutamos delas como elas são, com o coração aberto e repleto de compaixão e lucidez. 

Nós sempre cogitamos por manuais, mais técnicas e mais instruções sobre a vida. Mas, nos fazemos de joão-sem-braço quando precisamos sentar e olhar mais de perto para as dificuldades. Transmigramos sem lucidez. Aqui, estamos olhando o quanto a nossa receptividade aos ensinamentos influencia a estarmos abertos, vivenciamos nossa inteligência nativa. Prajna se manifestará. 

Há um tipo de dança onde o professor mostrará, de acordo com a nossa receptividade, os pontos de tensão necessários para avançar, sem precisarmos de algum manual mágico. Apenas pela prática honesta e sincera. 

Quanto mais maravilhoso for o professor, mais sofreremos

Segundo o Lama Alan Wallace, a relação com um professor deveria ir além das nossas expectativas mundanas. Wallace ressalta:

Ele[o professor] aparece de acordo com o temperamento e capacidade individual, prescreve o que cada um pode fazer. Existe um conhecimento geral e algo que pode ser direcionado de acordo com o momento daquele ser. 

Quanto mais diferente, maravilhoso for o nosso professor, mais nos afastamos do mestre, de fato, ficaremos com receio de nos aproximarmos. Quando temos um mestre muito extraordinário, mas reificiamos a nossa posição de ser senciente. É uma grande bênção encontrar um Lama. Mas, como saber se o professor é um professor qualificado? 

Ele deveria ter praticado o que está falando;

Estar ensinando por compaixão;

Estar com a motivação de passar o Darma, com a intenção de ajudar os seres sencientes;

Ele precisa agir de acordo com a visão do Darma;

Além dessas outras qualidades, ele precisaria estar autorizado por um mestre autêntico, pertencente a uma linhagem. 

Quando um professor fala a partir da vacuidade, está apropriado daquilo, pode elucidar as aparências e ter escolhas mais lúcidas diante do samsara.

Um professor que se apresenta para nós é em si mesmo vazio, pois a natureza essencial de todos os fenômenos é sua pureza inerente e vazia. 

Podemos ter essa intuição de que o Darmakaya está presente nos seres sencientes pois o professor nada mais é que mente, fala e corpo de um Buda – Darmakaya, Sambokaya e Nirmanakaya. É melhor escolhermos o nosso professor como Padmasambhava. A mente do nosso professor está junto da mente de Padmasambhava. 

Qual a importância de um professor do Darma?

Se misturamos nossas carências e desejos com a imagem do professor, o nosso avanço será praticamente mínimo. Nossa resposta será sempre viciada a nossa pergunta.   

O papel de um professor do Darma é nos ensinar a andarmos com as próprias pernas no samsara e usar esse caminhar como prática de lucidez. 

Na encruzilhada da vida, cruzamos com várias pessoas. Algumas, como nossos professores do colegial, por exemplo, tiveram a paciência, a generosidade em partilhar o que aprenderam, dedicaram seu tempo para nos ensinar a ler, aprender a somar, multiplicar e escrever, por exemplo. 

Nós podemos ter professores diretos e indiretos. Já pensou em como seria o nosso currículo se colocássemos todos os nossos professores antes de nosso nome? Não como um excesso, uma idolatria com sabor milk-shake, mas apenas um lembrete de que não caminhamos sozinhos, é um engano achar isso. Podemos até achar que sim, mas basta olhar ao redor. 

Então, ao falarmos em professor, naturalmente, precisamos falar sobre refúgio. Daí, temos o Buda, o Darma e a Sanga. O professor é um porta-estandarte das três jóias, um carteiro dos Budas, um entregador delivery do caminho de oito passos. Ele é nada mais que a nossa própria consciência prístina se revelando na forma humana pois é assim que nós nos vemos, pelo menos, por enquanto. 

Fontes: 

Autor
Coordenador
Praticante budista e instrutor de meditação. Desde 2011 dedica seu tempo à descoberta do coração desperto (bodicita), a partir dos ensinamentos de Buda e nas instruções práticas de Lama Padma Samten. Casado, pai de 2 filhos, é coordenador da Roda do Darma e tutor no CEBB.

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