O que é carma primário e secundário?

carma primário e secundário
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Uma das contribuições do Budadarma é a capacidade de olharmos para o carma e desmontá-lo. Você já passou pela situação onde está tudo bem, “tudo sob controle” e de repente, se depara com situações específicas, e certos problemas aparecem sem aviso prévio? Padrões ou hábitos nocivos são uma linguagem de passagem. Quando amadurecemos, vemos o carma e a sustentação a esses condicionamentos.

Temos carmas primários e secundários. Vamos olhar com cuidado e investigar como que podemos nos liberar disso?

Carma primário é toda a região de Alayavijnana – segundo elo da roda da vida, originação interdependente – É um grande “depósito” de inteligências, de impressões cármicas, é como um grande repositório de arquivos, uma histórico de acesso rápido, a biblioteca de marcas mentais. Sem lucidez, cada pessoa tem um “ticket” de acesso direto para uma determinada estrutura de resposta cármica. O fato é que os carmas primários e secundários estarão conosco até atingirmos a iluminação.

Então, por exemplo, diante de uma mesma situação, cada um reage com seus carmas primários. Para alguns, o trânsito é um local calmo e tranquilo, para outros, um inferno! Quando sentamos em meditação, estamos acelerando a desconexão com os carmas primários. Isso se dá pelo processo de repouso na dimensão sutil da mente. Com o apoio de shamata, vamos reverter esse quadro.

Para esclarecer mais o tema, seguimos com trechos do Lama Padma Samten sobre o tema:

Respostas prontas de sofrimento com o carma primário e secundário

Se nos vincularmos ao reino dos infernos, temos várias respostas prontas que nos levariam a esse reino e, naturalmente, o sofrimento é garantido. Se nos fixarmos ao reino dos famintos, reino dos animais e também ao reino dos humanos no sentindo comum, ou se nos conectarmos ao reino dos seres invejosos, competitivos, e ao reino dos deuses, que estão dependentes de felicidade sob condições, então, inevitavelmente, num certo momento, pela experiência cíclica, vamos experimentando sofrimento.

Mesmo que vivenciemos experiências de felicidades dos deuses, ainda que seja uma experiência de felicidade, mais adiante vamos ter sofrimento.

Seis reinos

Então, esses são seis níveis de carmas que nos conduzem a seis classes de sofrimento. Assim, entendemos que, como seres humanos, temos variados carmas para surgir em condições de sofrimento. Esses carmas são chamados carmas primários. São chamados de primários porque dão origem a carmas secundários, ou melhor, os carmas primários representam nossa vulnerabilidade a situações secundárias.

As situações secundárias acontecem quando surge uma situação prática na qual aquele carma primário então aflora. Por exemplo, posso não estar sentindo raiva no momento, mas tenho raivas latentes na forma de carmas primários.

Então, quando surgem situações específicas, esse carma brota e eu faço coisas terríveis. Minha situação piora muito, entro em sofrimento e vou passar por dificuldades. Assim, não é que eu seja sempre uma pessoa raivosa, mas quando a condição secundária surge, o carma primário aflora enquanto uma ação, e assim os problemas acontecem.

Somos todos vulneráveis a ver os carmas primários, que estão presentes em nós, se manifestarem como sofrimentos completos quando as circunstâncias secundárias acontecerem. Temos carmas primários que, de acordo com as circunstâncias secundarias, podem se manifestar como sofrimentos completos.

Fonte: palestra com o Lama Padma Samten, no CEBB Recife 2005. Os quatro pensamentos que transformam a mente e o refúgio.

Reconhecer para liberar o carma primário e secundário

Percebemos que temos carmas primários. O que isso significa? Por exemplo, à noite sonhamos, temos pesadelos. Ao acordar nos alegramos de que aquilo era apenas pesadelo, mas não conseguimos sonhar senão por dentro de ambientes de nossos próprios carmas. Podemos ter certeza de que se, acordados, pensarmos sobre o que vimos nos sonhos e imaginarmos que aquilo poderia acontecer, nos assustamos.

Só não nos assustamos quando nos damos conta de que não está acontecendo. Os sonhos nos revelam os carmas primários, estruturas internas de sofrimento, que podem vir a se transformar em estruturas de realidade. Podemos sonhar que estamos caindo, ou sufocados, afogados, presos em uma caixa ou sala, soterrados ou presos em um subterrâneo – podemos sonhar com várias coisas aflitivas.

Se estivermos presos em uma caixa, ou soterrados ou nos afogando, é terrível, ou seja, os carmas primários estão efetivamente ali. Neste momento não estamos soterrados, ou debaixo d’água, mas se isso acontecer vai ser terrível. Temos vários destes sonhos assustadores.

A arte como suporte no reconhecimento do carma

Se quiserem fazer uma varredura nos carmas primários, podem ter a ajuda do cinema. Os diretores de filmes de terror se especializaram em evidenciar nossas estruturas de carmas primários. Vamos ao cinema ou vemos os filmes na televisão, e embora nada daquilo seja real, nos assusta. Ficamos arrepiados, sem saber como.

Constantine, que eu recomendo para quem quiser examinar carmas primários, é um bom filme. Outro filme interessante é A Bruxa de Blair, que eu só vi na versão um, mas já há a versão dois. Ele tem essa vantagem de nos assustar, mas não há nada assustador no filme: fica mais evidente de que é tudo carma primário. Bandas de rock, metaleiros, nos assustam, comem cobras vivas, e vamos sentindo coisas terríveis.

Ao entendermos isso, temos experiências com carmas primários, que podem se tornar vivos quando surgem as condições secundárias. Por exemplo, pensamos que estamos bem e de repente estamos em um acidente ou ficamos presos em um elevador, tendo já sonhado muito com caixas.

Um dia desses, no Recife, entrou gente demais no elevador e no térreo a porta não abria. No calor de Recife! Olhamo-nos uns aos outros, e todos sorriram. Não havia problema. Mas o elevador subiu, parou em outro andar, e a porta não abriu. “Vai ser um fim inglório para nós, vamos morrer aqui (risos)”! E foi, de andar em andar, e a porta não abria. Terrível! E eu: “Ohm Mani Padme Hum! Vai ser aqui e agora, vamos morrer todos juntos, não há dúvida”! Mas dali a pouco, ele chegou a uma porta, e a porta abriu! E descemos todos pelas escadas. Isso é carma secundário. Ninguém vai morrer ali dentro.

A aflição diante do carma é reversível

Nosso carma primário, na presença de uma condição secundária, aflora como aflição. Nos adolescentes é visível, quando a mãe diz: “Arrume sua cama (risos)”! É horrível. É o próprio carma secundário surgindo. “Tome banho (risos)”! “Oh, não, tudo menos isso”! Se a mãe disser, então, “Lave sua roupa”, eles preferem morrer (risos)!

Temos esses carmas surgindo, ficamos desarrazoados, mas não é preciso isso. No entanto, os vemos como se fossem verdadeiros. Podemos fazer uma listinha de carmas desse tipo.

Há pessoas nas quais, quando o sinal vermelho acende à frente, brota um carma primário, uma condição secundária, e começam a passar mal. Acham que é algum complô. Dali a pouco, outro sinal vermelho. Mais um pouco, outro sinal vermelho: “Isto certamente é alguma coisa tramada contra mim (risos)”! Quando vêm as motos cruzando, então, pensam que são os próprios seres dos infernos.

Acham tudo muito horrível. À estrutura de carma primário junta-se a condição secundária. “O trânsito é um inferno”, dizemos. Mas se não estivermos no trânsito, não acontece assim. Isso mostra o carma primário se encontrando com a condição secundária. Estamos cheios de carmas primários, que, ao encontrar as causas secundárias, eventualmente nos levam a fazer ações não-virtuosas. Não é verdade? Aí podemos nos complicar.

O exemplo do trânsito como o espelho da mente

Por exemplo, pensar em abrir a porta quando o motoqueiro vai passar. Acontece por impulso, é terrível, e daria uma complicação monstruosa. Ou, então, é uma coisa que eu acho que vocês nunca fizeram porque são bons praticantes. No sinal, os carros param e a pessoa ao seu lado olha para você e acelera o carro. Você pensa: “Esse carro não vai me passar”!

Isso pode acontecer, mas com vocês é claro que não seria assim. Não temos esse carma primário (risos)! Assim, entendemos o que significa carma primário e secundário. Olhando de forma mais séria, mais grave, vemos as estatísticas de abuso da infância, que acontecem dentro de casa, na maior parte dos casos, ou com pessoas da família.

Não podemos pensar que essas pessoas sejam negativas, são da família. Há relações positivas dentro disso. No entanto, existem carmas primários que, de acordo com as condições secundárias, podem dar origem a ações de vários tipos.

Olhando isso, entendemos essa devastação. Todos nós temos carmas primários e podemos exercer ações negativas, se surgirem condições secundárias. Uma vez que a ação negativa foi feita, é de difícil desmontagem. Foi feita, e agora como vamos desmontá-la? A ação negativa dá origem ao sofrimento.

Autor
Coordenador
Praticante budista e instrutor de meditação. Desde 2011 dedica seu tempo à descoberta do coração desperto (bodicita), a partir dos ensinamentos de Buda e nas instruções práticas de Lama Padma Samten. Casado, pai de 2 filhos, é coordenador da Roda do Darma e tutor no CEBB.

5 comentários em “O que é carma primário e secundário?

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