Se tudo é vazio, como um Bodisatva sabe o que é certo ou errado?

bodisatva
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Vazio, vacuidade, na nossa linguagem apontam para o mesmo ponto, ou seja, a liberdade natural da mente e sua natureza luminosa. Mas, a questão permanece: se o bodisatva vê tudo como vazio, como ele sabe o que é certo ou errado? A pergunta nos direciona para questão de sabedoria, compaixão e meios hábeis. Muito fácil cairmos em caminhos extremos – niilismo e eternalismo – o que não vem ao caso aprofundar agora. Então, essa questão em si mesma vem de uma perspectiva de como que enfim, podemos andar de modo mais lúcidos no mundo?

Tudo é vazio. E daí?

Por vezes, essa palavra mágica dá um nó interno. Primeiramente porque já temos conceitos previamente estabelecidos sobre esse termo. Em seguida, é muito comum isso – tentarmos olhar os ensinamentos a partir dos nossos pressupostos ou condicionamentos. E não de uma posição livre, com a mente de principiante.

Assim, antes de entrarmos propriamente no tema, vamos visitar uma possível definição a respeito. Mingyur
Rinpoche
define o termo vazio como:

O vazio refere-se ao fato de que as coisas não são tão sólidas e reais quanto parecem. Algo que temos em nossas mãos pode parecer completamente sólido e imutável, mas isso é uma ilusão. Seja o que for, está mudando o tempo todo e, quando investigamos, encontramos mudança e fluidez onde antes assumíamos permanência e solidez. Isso não torna o mundo fenomenal “nada”; ao mesmo tempo, sua natureza essencial não é o que geralmente pensamos que é.

O reconhecimento sustentado do vazio – da claridade conhecida e luminosa que existe além dos conceitos – é chamado de estado desperto ou iluminado. Esse estado de espírito transcende palavras e conceitos. Como esse estado não pode ser descrito por palavras e não pode ser imaginado pela mente conceitual, ele se presta a muitos nomes e descrições diferentes; É um paradoxo que, embora nossa essência verdadeira seja vazia de pensamento conceitual, precisamos de conceitos para expressar esse mesmo vazio. Todos têm dimensões em suas mentes que são luminosas, espaçosas e vazias. A questão é se reconhecemos esses aspectos ou não. A liebração surge apenas com o reconhecimento, não apenas de ter essas qualidades naturais.

Bodicita e a mente sem fronteiras

Uma que percebemos a vacuidade, se realmente estivermos reconhecendo a vacuidade, o verdadeiro atributo das coisas, então perceberemos a compaixão, a bodicita. Acima de tudo, veremos a verdadeira natureza dos seres incessantemente presente e que por sua vez, pela liberdade natural, é capaz de se apresentar de forma limitada e operar segundo referenciais condicionados, dentro de jogos em altos e baixos, no samsara.

Assim sendo, bodicita opera sem impedimentos e aí, veremos que as quatro nobres verdades e o caminho de oito passos são realmente eficazes; É como se sentir curado de uma doença recorrente e aí, naturalmente, iremos oferecer esse remédio para os outros. A bussola de um bodisatva se baseia também do aspecto de moralidade – a ética na perspectiva budista. Assim, sendo um bodisatva anda no mundo mantendo esses itens anteriores em mente, aqui apresentaremos isso de modo sucinto. Mas, essencialmente, o caminho de oito passos passa a ser visto como um tratamento efetivo para a doença chamada de dukha.

Todo Bodisatva vive um dilema?

Alguns professores, como S.S. O Dalai Lama, costumam apresentar o budismo dessa forma, como um caminho baseado nos três treinamentos mais elevados: disciplina, ética e sabedoria. Esses valores nada mais são do que o próprio caminho de oito passos vistos de uma forma mais resumida. Assim, de fato, teremos o verdadeiro Darma no nosso coração e não sairemos por aí dizendo que tudo é vazio e pronto! Isso seria quebra de moralidade.

Para deixar mais claro esse ponto, o Vidyadhara Chogyam Trungpa ressalta a importância de mantermos o verdadeiro Darma em mente:

O dharma em si [mesmo] é verdadeiro.

O sadharma, ou verdadeiro dharma, consiste em três treinamentos: shila, samadhi e prajna. Pela prática da disciplina, ou shila, você aprende a se manter unido; com base nisso, você pode atingir um estado de meditação ou samadhi; e a partir disso, através do desenvolvimento do conhecimento, ou prajna, você pode analisar a situação como ela é.

A apresentação do saddharma é bem dita; está livre dos kleshas dos três mundos. O dharma é experienciado pela tríplice lógica da experiência pessoal, teoria e confirmação. Portanto, é ouvido de forma completa e adequada.

Quando você ouve o dharma, no começo é alegre; no meio é simples e verdadeiro; no final, transcende a paixão. Finalmente, o dharma é ao mesmo tempo profundo e vasto. Essas definições se aplicam a todos os três yanas, ou veículos – o hinayana, o mahayana e o vajrayana – até o fim [do caminho, a iluminação].

Assim sendo, o que chamamos de certo ou errado ainda funciona… Tudo bem. Porém, como bodisatvas, não estamos mais dependendo dos resultados de samsara para nos movermos. Para os bodisatvas, o que realmente importa é: a questão do sofrimento, da transmigração; suas consequências, suas causas e condicionantes. O caminho de saída e como fazer para sair? Afinal, como sabemos, as quatro nobres verdades são os ensinamentos que devemos manter em mente para enfim, ajudarmos os seres.

*Créditos da imagem de Pexels por Pixabay

Autor
Coordenador
Praticante budista e instrutor de meditação. Desde 2011 dedica seu tempo à descoberta do coração desperto (bodicita), a partir dos ensinamentos de Buda e nas instruções práticas de Lama Padma Samten. Casado, pai de 2 filhos, é coordenador da Roda do Darma e tutor no CEBB.

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